16.3.12

João Cabral de Melo Neto: "Catar feijão"




Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.


MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995.

7 comentários:

  1. Cicero,


    gosto muito desse poema de Cabral, mas confesso que eu acho que ele foi inspirado em um texto de Graciliano Ramos... Será?

    "Deve-se escrever da mesma maneira como as
    lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício.
    Elas começam com uma primeira lavada,
    molham a roupa suja na beira da lagoa
    ou do riacho, torcem o pano,
    molham-no novamente,
    voltam a torcer.
    Colocam o anil, ensaboam e
    torcem uma, duas vezes.
    Depois enxaguam, dão mais uma
    molhada, agora jogando
    a água com a mão.
    Batem o pano na laje ou na pedra limpa,
    e dão mais uma torcida e mais outra,
    torcem até não pingar do pano
    uma só gota.
    Somente depois de feito tudo isso
    é que elas dependuram a roupa
    lavada na corda ou no
    varal para secar.
    Pois quem se mete a escrever
    devia fazer a mesma coisa.
    A palavra não foi feita para enfeitar,
    brilhar como ouro falso;
    a palavra foi feita
    para dizer." Graciliano Ramos



    Abraço forte,
    Adriano Nunes

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  2. as palavras são os grãos do poeta*

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  3. Muito boa observação, Adriano. De todo modo, é claro que isso não diminui em nada o mérito do poema do João.

    Abraço

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  4. O FERRAGEIRO DE CARMONA

    Um ferrageiro de Carmona,
    que me informava de um balcão:
    "Aquilo? É de ferro fundido,
    foi a forma que fez, não a mão.

    Só trabalho em ferro forjado
    que é quando se trabalha ferro
    então, corpo a corpo com ele,
    domo-o, dobro-o, até o onde quero.

    O ferro fundido é sem luta
    é só derramá-lo na forma.
    Não há nele a queda de braço
    e o cara a cara de uma forja.

    Existe a grande diferença
    do ferro forjado ao fundido:
    é uma distância tão enorme
    que não pode medir-se a gritos.

    Conhece a Giralda, em Sevilha?
    De certo subiu lá em cima.
    Reparou nas flores de ferro
    dos quatro jarros das esquinas?

    Pois aquilo é ferro forjado.
    Flores criadas numa outra língua.
    Nada têm das flores de forma,
    moldadas pelas das campinas.

    Dou-lhe aqui humilde receita,
    Ao senhor que dizem ser poeta:
    O ferro não deve fundir-se
    nem deve a voz ter diarréia.

    Forjar: domar o ferro à força,
    não até uma flor já sabida,
    mas ao que pode até ser flor
    se flor parece a quem o diga.

    João Cabral, sempre mestre.

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  5. Cicero,


    claro! Ambos os textos estão para dizer a que vieram, são belos e repletos de luz!


    Abraço forte,
    Adriano Nunes

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  6. Às vezes, lendo o próprio Cabral e o Ferreira Gullar, eu sinto isso que ele fala:

    "A pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a com risco".

    Mas é difícil a medida certa, pois o risco da palavra-pedra afundar ou soterrar o poema é real.
    JR.

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  7. Alguém mi ajudar a entender esse poema

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