1.3.12

Bernardim Ribeiro: "Entre mim mesmo e mim"




Vilancete

Entre mim mesmo e mim
não sei que se alevantou,
que tão meu imigo sou.

Uns tempos, com grande engano,
vivi eu mesmo comigo,
agora no mor perigo
se me descobre o mor dano.
Caro custa um desengano
e pois me este não matou
quão caro que me custou.

De mim me sou feito alheio,
entre o cuidado e cuidado
está um mal derramado
que por mal grande me veio.
Nova dor, novo receio
foi este que me tomou:
assim me tem, assim estou.



RIBEIRO, Bernardim. "Entre mim mesmo e mim". In: SILVEIRA, Francisco Maciel (org.). Poesia clássica São Paulo: Global, 1988.

6 comentários:

  1. Eu não sou, eu nem sou o outro,
    Sou qualquer coisa de intermédio:
    Pilar da ponte de tédio
    Que vai de mim para o Outro.

    Mário de Sá Carneiro

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  2. Que beleza de poema, Antonio Cícero!!! Me remeteu a outro, do Miguel Torga.

    Muito obrigada e um abraço,

    Eleonora

    Livro de Horas

    Aqui, diante de mim,
    Eu, pecador, me confesso
    De ser assim como sou.
    Me confesso o bom e o mau
    Que vão em leme da nau
    Nesta deriva em que vou.

    Me confesso
    Possesso
    Das virtudes teologais,
    Que são três,
    E dos pecados mortais
    Que são sete,
    Quando a terra não repete
    Que são mais.

    Me confesso
    O dono das minhas horas.
    O das facadas cegas e raivosas
    E das ternuras lúcidas e mansas.
    E de ser de qualquer modo
    Andanças
    Do mesmo todo.

    Me confesso de ser charco
    E luar de charco, à mistura.
    De ser a corda do arco
    Que atira setas acima
    E abaixo da minha altura.

    Me confesso de ser tudo
    Que possa nascer em mim.
    De ter raízes no chão
    Desta minha condição.

    Me confesso de Abel e de Caim.
    Me confesso de ser Homem.
    De ser o anjo caído
    Do tal céu que Deus governa;
    De ser o monstro saído
    Do buraco mais fundo da caverna.

    Me confesso de ser eu.
    Eu, tal e qual como vim
    Para dizer que sou eu
    Aqui, diante de mim!

    Miguel Torga

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  3. Belo poema! Essa tópica da identidade parece mesmo recorrente na lírica portuguesa através dos séculos. Alexandre O'Neill fez um poema entremeando os versos do acima citado Sá-Carneiro com os do poeta quinhentista Sá de Miranda; o resultado é surpreendente:

    Sá de Miranda Carneiro

    comigo me desavim
    eu não sou eu nem sou o outro
    sou posto em todo perigo
    sou qualquer coisa de intermédio
    não posso viver comigo
    pilar da ponte de tédio
    não posso viver sem mim
    que vai de mim para o Outro

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  4. Belo poema! Essa tópica da identidade é mesmo recorrente na lírica portuguesa através dos séculos. Alexandre O'Neill criou um poema entremeando os versos do acima citado Sá-Carneiro com os do poeta quinhentista Sá de Miranda; o resultado é surpreendente:

    Sá de Miranda Carneiro

    comigo me desavim
    eu não sou eu nem sou o outro
    sou posto em todo perigo
    sou qualquer coisa de intermédio
    não posso viver comigo
    pilar da ponte de tédio
    não posso viver sem mim
    que vai de mim para o Outro

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  5. Cicero,


    Muito belo! grato por compartilhar!



    Abraço forte,
    Adriano Nunes

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  6. Lucas, sus luchas com la hidra - Julio Cortázar

    "Ahora que se va poniendo viejo se da cuenta de que no es fácil matarla.
    Ser una hidra es fácil, pero matarla no, porque si bien hay que matar a la hidra cortándole sus numerosas cabezas( de siete a nueve según los autores o bestiarios consultables), es preciso dejarle por lo menos una, puesto que la hidra es el mismo Lucas y lo que él quisiera es salir de la hidra pero quedarse en Lucas, pasar de lo poli a lo unicéfalo. Ahí te quiero ver, dice Lucas, envidiándolo a Heracles que nunca tuvo tales problemas con la hidra y que después de entrarle a mandoble limpio la dejó como una vistosa fuente de la que brotaban siete o nueve juegos de sangre. Una cosa es matar a la hidra y otra ser esa hidra que alguna vez fue solamente Lucas y quisiera volver a serlo. Por ejemplo, le das un tajo en la cabeza que colecciona discos, y le das otro en la que invariablemente pone la pipa del lado izquierdo del escritorio y el vaso con los lápices de fieltro a la derecha y un poco atrás. Se trata ahora de apreciar los resultados.(...)"

    CORTÁZAR, Julio. Um tal Lucas. Buenos Aires, Punto de Lectura,2008, p.13.

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