Vilancete
Entre mim mesmo e mim
não sei que se alevantou,
que tão meu imigo sou.
Uns tempos, com grande engano,
vivi eu mesmo comigo,
agora no mor perigo
se me descobre o mor dano.
Caro custa um desengano
e pois me este não matou
quão caro que me custou.
De mim me sou feito alheio,
entre o cuidado e cuidado
está um mal derramado
que por mal grande me veio.
Nova dor, novo receio
foi este que me tomou:
assim me tem, assim estou.
RIBEIRO, Bernardim. "Entre mim mesmo e mim". In: SILVEIRA, Francisco Maciel (org.).
Poesia clássica São Paulo: Global, 1988.
Eu não sou, eu nem sou o outro,
ResponderExcluirSou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá Carneiro
Que beleza de poema, Antonio Cícero!!! Me remeteu a outro, do Miguel Torga.
ResponderExcluirMuito obrigada e um abraço,
Eleonora
Livro de Horas
Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.
Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.
Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.
Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.
Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.
Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.
Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!
Miguel Torga
Belo poema! Essa tópica da identidade parece mesmo recorrente na lírica portuguesa através dos séculos. Alexandre O'Neill fez um poema entremeando os versos do acima citado Sá-Carneiro com os do poeta quinhentista Sá de Miranda; o resultado é surpreendente:
ResponderExcluirSá de Miranda Carneiro
comigo me desavim
eu não sou eu nem sou o outro
sou posto em todo perigo
sou qualquer coisa de intermédio
não posso viver comigo
pilar da ponte de tédio
não posso viver sem mim
que vai de mim para o Outro
Belo poema! Essa tópica da identidade é mesmo recorrente na lírica portuguesa através dos séculos. Alexandre O'Neill criou um poema entremeando os versos do acima citado Sá-Carneiro com os do poeta quinhentista Sá de Miranda; o resultado é surpreendente:
ResponderExcluirSá de Miranda Carneiro
comigo me desavim
eu não sou eu nem sou o outro
sou posto em todo perigo
sou qualquer coisa de intermédio
não posso viver comigo
pilar da ponte de tédio
não posso viver sem mim
que vai de mim para o Outro
Cicero,
ResponderExcluirMuito belo! grato por compartilhar!
Abraço forte,
Adriano Nunes
Lucas, sus luchas com la hidra - Julio Cortázar
ResponderExcluir"Ahora que se va poniendo viejo se da cuenta de que no es fácil matarla.
Ser una hidra es fácil, pero matarla no, porque si bien hay que matar a la hidra cortándole sus numerosas cabezas( de siete a nueve según los autores o bestiarios consultables), es preciso dejarle por lo menos una, puesto que la hidra es el mismo Lucas y lo que él quisiera es salir de la hidra pero quedarse en Lucas, pasar de lo poli a lo unicéfalo. Ahí te quiero ver, dice Lucas, envidiándolo a Heracles que nunca tuvo tales problemas con la hidra y que después de entrarle a mandoble limpio la dejó como una vistosa fuente de la que brotaban siete o nueve juegos de sangre. Una cosa es matar a la hidra y otra ser esa hidra que alguna vez fue solamente Lucas y quisiera volver a serlo. Por ejemplo, le das un tajo en la cabeza que colecciona discos, y le das otro en la que invariablemente pone la pipa del lado izquierdo del escritorio y el vaso con los lápices de fieltro a la derecha y un poco atrás. Se trata ahora de apreciar los resultados.(...)"
CORTÁZAR, Julio. Um tal Lucas. Buenos Aires, Punto de Lectura,2008, p.13.