3.12.11

Eucanaã Ferraz: "Setembro"




Eucanaã Ferraz

Setembro

Nunca mais será setembro,
nunca mais a tua voz dizendo
nunca mais, eu lembro,

nunca mais, eu não esqueço,
a pele, nunca mais,
o teu olhar quebrado,

dividido, vou esquecê-lo,
é o que te digo, nunca mais
a minha mão no teu sorriso,

a tua voz cantando,
vou apagá-la para sempre,
e os nossos dias, setembro, lembro

bem, dentro a tua voz dizendo não
(ouço ainda agora), como se quebrasse
Um copo, mil copos, contra o muro.

Rasgarei o que não houve, o que seria,
mesmo que tudo em mim me diga não
(e diz), mas é preciso.

Como não se pensa mais um pensamento,
quero, prometo:
nunca mais será setembro.



FERRAZ, Eucanaã. Cinemateca. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

3 comentários:

  1. poema lindo, cícero. cinemateca é uma baita obra, do começo ao fim.

    não sei bem por que, lembrei daquele poema do fábio weintraub...


    MAIS MAGRO

    Mais magro
    Meu amigo está mais magro
    Volto a encontrá-lo
    dois ou três verões mais tarde
    e chego mesmo a dizê-lo:
    Você está mais magro.
    Problemas de intestino…
    responde-me esquivo
    …já estive pior, agora
    voltei a engordar.
    Não peço detalhes
    mas vejo o ombro mirrado
    entre as alças da regata
    Evito tocá-lo
    pois a mera proximidade física
    parece estranha agora
    que meu amigo está mais magro


    Novamente juntos
    caminhamos pela orla marítima
    Eu lhe recito algum verso
    ele me ensina outro insulto
    e há quase alegria de trégua
    não fosse o fato
    dele estar mais magro


    Se ainda ontem tocassem
    os telefones insones
    na barra da madrugada
    e meu amigo dissesse
    palavras de testamento
    eu sairia correndo
    para deitar-lhe compressas
    na testa já repartida


    Se fosse eu o afogado
    dentro da onda invisível
    de bílis, lua e silêncio
    ele pagava o resgate
    limpava o sal de meus cílios
    me devolvia em segredo
    sobre a toalha mais limpa


    Mas hoje estamos exaustos
    há um dreno em nossa bondade:
    minha boca só tem dentes
    e meu amigo
    está mais magro


    Fabio Weintraub
    [Novo endereço], 2002

    ***

    abç.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Um poema para a apreciação de Cícero.

    ENQUANTO

    Não há mais começo no mundo
    Não há mais janeiro
    Não há julho
    Não há lençol na minha cama
    Abril foi o primeiro que se foi
    Existe uma saudade imensa de maio
    Mas não haverá outro dia como aquele

    Aqui nada existe além do tempo
    Minutos nascem e morrem como crianças fracas
    As sombras dos dias estão por toda parte
    As sementes guardam na escuridão os seus segredos que são árvores
    E eu já nem lembro qual foi o nome que te dei
    Enquanto deixo no tempo esse sopro
    Enquanto dormem os pássaros em seus ovos
    Enquanto dançam as pedras imóveis

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