29.9.09

Gastão Cruz: "A moeda do tempo"




A moeda do tempo

Distraí-me e já tu ali não estavas
vendeste ao tempo a glória do início
e na mão recebeste a moeda fria
com que o tempo pagou a tua entrada.



CRUZ, Gastão. A moeda do tempo. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2009.

7 comentários:

  1. e tem moeda que não dissimule? o problema, acho, como dizia o velho Górgias, é não se deixar enganar.

    “A moeda falsa talvez fosse, também, para um pequeno especulador, o germe de uma riqueza de alguns dias”. {Baudelaire, C. Pequenos poemas em prosa (trad. Gilson Maurity), p. 167}.

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  2. Mobilizou em mim a lembrança desse belíssimo poema de Borges (segue apenas um trecho, com tradução de Davi Arrigucci Jr, Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista):

    [...]

    Aí está Buenos Aires. O tempo que a outros homens
    traz ouro ou traz amor, para mim apenas deixa
    esta rosa amortecida, esta inútil madeixa
    de ruas que repetem os pretéritos nomes

    de meu sangue: Laprida, Gabrera, Soler, Suárez...
    Nomes em que ecoam (secretas) as alvoradas,
    as repúblicas, as manhãs, tantas cavalgadas,
    as felizes vitórias, as mortes militares.

    [...]

    Borges, Jorge Luis. "A noite cíclica". In: Antologia pessoal. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 179.

    ***

    Pena que meu tempo não me permita transcrevê-lo por completo!!! Mas que coisa, sempre o tempo...

    Abraços saudosos, Cicero.

    @eta.

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  3. Tive que voltar. A lembrança de um outro estupendo poema de Borges me fez deixar inacabado o que acabo de deixar.


    LIMITES

    Dessas ruas que afundam o poente,
    alguma (não sei qual) eu percorri
    por uma última vez, indiferente
    e, sem adivinhá-lo, obedeci

    a Quem prefixa onipotentes normas
    e uma secreta e rígida medida
    às sombras, e aos sonhos, e às formas
    que tramam e destramam esta vida.

    Se para tudo existe regra e usura,
    e olvido e nunca mais e última vez,
    quem nos dirá a quem, a esta altura,
    sem perceber, já dissemos adeus?

    Por trás do vidro cinza a noite cessa
    e da pilha de livros que uma adunca
    sombra dilata sobre a vaga mesa,
    alguns por certo não leremos nunca.

    Há no Sul tanto portal desgastado
    com seus jarrões feitos de alvenaria
    e tunas, que ao meu passo está vedado
    como se fosse uma litografia.

    Para sempre fechaste alguma porta
    e há um espelho que te aguarda em vão;
    a encruzilhada te parece aberta
    e o quadrifronte Jano diz que não.

    Uma entre todas as memórias tuas
    já se perdeu irreparavelmente;
    não te verão descer a essa nascente
    nem branco sol nem amarela lua.

    Tua voz não voltará ao que o persa
    disse em sua língua de aves e de rosas,
    quando ao ocaso, vendo a luz dispersa,
    queiras dizer inesquecíveis coisas.

    E o incessante Ródano e o lago,
    todo esse ontem sobre o qual me inclino?
    Tão perdido estará quanto Cartago
    que a sal e fogo aboliu o latino.

    Na aurora penso ouvir um escarcéu
    o ruído de turbas que se apartam;
    são tudo o que me amou e me esqueceu;
    espaço e tempo e Borges já se afastam.


    Borges, Jorge Luis, op. cit., p. 80/81.

    ***

    @eta

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  4. com os pés enfiados
    totalmente na lama
    gritou
    suas asas
    dali mesmo criou
    enveredou enviesado
    no devir
    sem saber aonde ir
    a rir feito um tresloucado
    imaginando-se um ser amado.

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  5. paulinho (paulo sabino)1 de outubro de 2009 às 14:10

    LINNNNNNNNDO poema, cicero!

    o deslizar do tempo por sobre mim, por sobre nós, e a moeda fria com a qual ele, o tempo, nos paga a venda das nossas vidas, das nossas glórias, a ele.

    trata-se de uma visão muito bonita, assaz poética, sobre o entardecer da vida, sobre o fato de envelhecermos e morrermos.

    gastão cruz é um ano mais velho que a minha mãe, já é um senhor, e creio que questões como essa rondem-lhe a cabeça. lembrou-me "o homem velho", extraordinário poema-canção de caetano veloso acerca da passagem temporal e do tema aqui levantado.

    uma maravilha!

    beijo, poeta!

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