26.6.09

Augusto dos Anjos: "Vandalismo"

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Vandalismo


Meu coração tem catedrais imensas,
templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



De: ANJOS, Augusto dos. Toda poesia. Com estudo crítico de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

8 comentários:

  1. li até decorar. muito lol esse augusto que de anjo e de augusto tinha muito pouco.

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  2. Antonio,

    Adoro Augusto dos Anjos: vejo que os seus sonetos são bastante trabalhados, sonoros, intensos e dramáticos. O Arnaldo Antunes inclusive já musicou um deles: "Budismo Moderno" cuja música é belíssima assim como o soneto. Também adoro, assim como o Adriano Nunes, o soneto "A Esperança". Vou postar aqui os dois sonetos:
    "A ESPERANÇA"

    A Esperança não murcha, ela não cansa,
    Também como ela não sucumbe a Crença.
    Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
    Voltam sonhos nas asas da Esperança.

    Muita gente infeliz assim não pensa;
    No entanto o mundo é uma ilusão completa,
    E não é a Esperança por sentença
    Este laço que ao mundo nos manieta?

    Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
    Sirva-te a crença de fanal bendito,
    Salve-te a glória no futuro - avança!

    E eu, que vivo atrelado ao desalento,
    Também espero o fim do meu tormento,
    Na voz da morte a me bradar: descansa!


    "Budismo Moderno"
    Composição: Arnaldo Antunes / Augusto dos Anjos


    Tome, Dr., essa tesoura, e... corte
    Minha singularíssima pessoa.
    Que importa a mim que a bicharia roa
    Todo meu coração, depois da morte?!

    Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
    Também, das diatomáceas da lagoa
    A criptógama cápsula se esbroa
    Ao contacto de bronca dextra forte!

    Dissolva-se, portanto, minha vida
    Igualmente a uma célula caída
    Na aberração de um óvulo infecundo;

    Mas o agregado abstracto das saudades
    Fique batendo nas perpétuas grades
    Do último verso que eu fizer no mundo!


    E POR FIM, UM SONETO QUE FIZ PARA VOCÊ, GRANDE LUZ!

    ***DO PRANTO PULSÁTIL*** (PARA ANTONIO CICERO)

    Provo do teu pranto
    Quando vais embora.
    Tudo me apavora,
    Mas nunca sei quanto


    Da vida em mim fica.
    Uma grande dúvida:
    Sou louca? Sou lúcida?
    Pública ou pudica?


    Assim me recolho
    Dentro desse cofre
    Fechado à ferrolho,


    Que se abre, de chofre,
    Para qualquer olho
    Que chora, que sofre.



    BEIJOS,
    CECILE.

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  3. Antonio,

    Desculpe: no verso FECHADO A FERROLHO, do meu soneto, não há crase! Pressa da digitação!


    Beijos,
    Cecile.

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  4. Assim vamos "desaprendendo"...é muito bom esse poema. Valeu!

    Caro Cícero, postei um poema seu no meu blog. Espero que goste.

    Um abraço.
    Jefferson.

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  5. Jefferson,

    muito obrigado. Gostei muito da sua leitura do meu poema. Para quem quiser ver, o endereço é: http://jeffersonbessa2.blogspot.com/.

    Abraço

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  6. lindo poema, cicero!

    muito elegante, classudo, cheio de requinte.

    o título também é ótimo, porque o substantivo, "vandalismo", apesar de ter tudo a ver com o que dizem os versos, não sugere, em termos estéticos, nada do que se vê/lê nos versos, tão bonitos, tão cheios de garbo, de português requintado.

    (o escrito acima é uma bobagem, é apenas uma constatação, muitíssimo pessoal, de algo que não tem a menor importância - rs.)

    beijo, riqueza!

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  7. O poema é iconoclasta, dá até para ouvir o estilhaçar das imagens dos seus sonhos. Lindo!

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