O seguinte artigo – que consiste numa adaptação do relato que fiz para o Diário Catarinense da vinda do poeta Joan Brossa ao Brasil – foi publicado na minha coluna da Folha de São Paulo sábado, 10 de janeiro de 2009.
O poeta Joan Brossa no Brasil
EM DEZEMBRO de 1992, ao ser apresentado a Helena Severo, que no mês seguinte assumiria a Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, sugeri-lhe que, em vez de promover apenas shows internacionais de rock, a prefeitura apoiasse também ciclos internacionais de palestras sobre filosofia, arte, literatura etc.
Tendo gostado da ideia, ela me pediu que desenvolvesse um projeto nesse sentido, coisa que foi logo noticiada pela imprensa. Pouco tempo depois, recebi um telefonema de Ana Lúcia Magalhães Pinto, que dirigia a programação cultural do Banco Nacional, dizendo que havia lido a matéria nos jornais e que o Banco Nacional estava disposto a financiar essa iniciativa.
Convidei o poeta Waly Salomão para trabalhar comigo. Na época, João Cabral era amplamente considerado o maior poeta vivo do Brasil. Como Waly e eu o admirávamos imensamente, pensamos logo em incluí-lo no primeiro ciclo.
O nome de João nos lembrou o do seu velho amigo, Joan Brossa, com cuja obra havíamos nos familiarizado pouco tempo antes. Sabíamos que Cabral, quando cônsul em Barcelona, no final da década de 40 e no começo da de 50, havia influenciado um importante grupo de jovens artistas e poetas de Barcelona, inclusive Brossa. Lembramo-nos também de outro "João", o grande poeta americano John Ashbery. Como nos parecia que o mais difícil de tudo seria conseguir a participação do nosso Cabral, que a essa altura andava bastante recluso, começamos pelos outros. Enviamos cartas para Brossa e Ashbery, que concordaram em nos receber, e fomos pessoalmente persuadi-los a vir ao Brasil.
Quando chegamos, na hora marcada, ao edifício em que Brossa morava, em Barcelona, tocamos a campainha várias vezes, inutilmente. Ninguém respondeu ao interfone nem veio abrir a porta. Não havia porteiro. Ligamos de um telefone público para o seu apartamento, mas quem atendeu foi uma secretária eletrônica. Dissemos que estávamos ali, à porta, e nada. Desconfiamos que podia haver algum engano no endereço e indagamos por Brossa aos garçons de um bar, na esquina. Jamais tinham ouvido falar dele. Disseram-nos que por ali havia, de fato, vivido um poeta, alguns anos atrás, mas que já morrera. Sentimos-nos mergulhados em pleno surrealismo catalão. Pela última vez, ligamos para o número de Brossa e falamos com a secretária eletrônica. Usando toda a sua capacidade dramática, Waly apelou para o sentimentalismo: havíamos atravessado o oceano Atlântico, dois pobres poetas, só para encontrar o grande Joan Brossa. Que desolação voltar para casa sem ao menos trocar duas palavras com o nosso ídolo!
Já estávamos realmente a ir embora, quando percebemos, à porta do edifício dele, uma senhora. Sem jamais a ter visto antes, Waly correu a abraçá-la, e ela abriu os braços para acolhê-lo. Lembrei-me de uma cena do filme soviético "Quando Voam as Cegonhas". Essa senhora era a esposa de Brossa. Este estava arrependido de ter consentido em nos receber. Ela, porém, não tendo resistido ao rompante sentimental de Waly, decidira que, querendo ou não, seu marido nos receberia.
Quando lá chegamos, Brossa foi cordial, mas firme: não havia questão de vir ao Brasil, pois se sentia descentrado até quando ia de trem a Valencia (a meia hora de Barcelona). De todo modo, continuamos a conversar. Falamos dos poemas visuais dele, falamos de João Cabral, que ele adorava, falamos do mundo em geral. Em duas horas, ficamos amigos, despedimo-nos e fomos embora, conformados. Que fazer? Procurar outro poeta.
Mal chegamos ao hotel e tocava o telefone: Brossa já estava de malas prontas para vir ao Brasil conosco. Felicíssimos, explicamos a ele que o encontro não era naquela semana, mas dali a três meses.
Depois de Brossa, foi relativamente fácil conseguir Ashbery e Cabral. A noite dos três poetas no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio foi extraordinária. Todos eles disseram coisas surpreendentes e memoráveis. Mas vou descrever apenas a última coisa da noite, que foi a performance poética de Brossa.
Ele havia trazido um tinteiro e uma pena de avestruz. Molhou a pena no tinteiro e saiu do palco, ostensivamente, para escrever alguma coisa. Voltou, molhou novamente a pena e saiu. Fez isso mais uma vez, e trouxe dos bastidores um envelope fechado. Escolheu uma moça bonita na plateia -por acaso era a Renata Sorrah-, entregou-lhe o envelope e lhe pediu que o abrisse dali a três minutos. Os três minutos pareceram três horas. Ao abrir a carta, viu-se que nela estava escrito: FIM.
Waly velho de guerra! Te conhecer era, isto sim, uma verdadeira EXPERIÊNCIA!
ResponderExcluirSempre fico feliz ao ler este relato, AC. Gracias.
ResponderExcluirCicero,
ResponderExcluirSó mesmo dois "doidos" por Poesia para toparem uma empreitada como essa! Encantador relato, mágico!
"PERIGO"
É quase manhã.
Onde está você?
O meu coração
Pensa que não sabe
Apenas bater.
Abração!
Adriano Nunes.
Dava uma costela pra estar nesse encontro!
ResponderExcluirComo sou jovem e perdi ver de perto muitos poetas que admiro, fico feliz só de saber desse acontecimento e sonhar em ver outros desses encontros, antes que só nos reste ve-los somente nas telas do computador e do cinema!
"a vida é sonho!"
=]
Oi
ResponderExcluirAntônio.
Uau! que história! eu bem queria estar junto de vocês...
lindo.
parabéns a ti e ao Waly Salomão, histórias dessa natureza fazem com que eu, jovem poeta, jamais desencante do poder transformador da poesia.
abraços.
ev.
Sinto saudades do Waly ,do jeito dele ser , dos papos no Leblon.Ele sempre será um companheiro eterno de sonoras atitudes.Lembro de uma vez .Que tomavamos conversa um grupo , todos nos virados na noite , num pé sujo , entre café e pão na chapa...Waly falava sem parar sobre N coisas...do nada ele se calou ficou sério e disse: TÕ falando demais né? Eu respondi , nunca você é demais ,mas com certeza se te colocarem na frente do Papa você vai convencê-lo a mudar a igreja toda ...Waly deu uma gargalhada gostosa e depois disse quando viajamos ? GRAAL
ResponderExcluirCoincidência, assisti ontem ao Pan-cinema Permanente e digo com certeza que é meu top 3 em documentários.
ResponderExcluirAs imagens filmadas tem uma plasticidade incrível, a montagem é perfeita e tua participação, principalmente na leitura dos poemas, é genial. Vontade de ter feito parte dessas histórias.
Um abraço.
Sempre acabo conhecendo novos nomes (bem, pelo menos pra mim são novos) da literatura, quando venho aqui.
ResponderExcluirCicero , permita-me penetrar em seu blog para tecer o comentário sobre a entrevista dada ao Adriano Nunes que merece ser lida por todos :http://astripasdoverso.blogspot.com/
ResponderExcluirE como aqui é o seu Blog Cícero eu quero dizer que os seus trabalhos sempre deixam marcas INDELEVEIS no meu coração e sempre foi para minha geração e será referência para toda minha vida.Te deixo um beijo no coração e vos aplaudo não só pelo que tu é e sim por tudo que você representa...Graal
Muito obrigado, Graal. Um beijo no seu coração também.
ResponderExcluirdeliciosa esta estória, cicero!
ResponderExcluirwaly waly waly... o pouco que vivi, muito dele recebi. e isso foi bom, acolhedor.
beijo nocês!