2.9.08

Sartre: sobre o poeta

Os poetas são homens que se recusam a utilizar a linguagem. Ora, como é na linguagem, concebida como uma certa espécie de instrumento, e através dela, que se opera a busca da verdade, não se deve imaginar que eles tencionem discernir ou expor a verdade. Tampouco pretendem nomear o mundo e, na realidade, não nomeiam absolutamente nada, pois a nomeação implica um perpétuo sacrifício do nome ao objeto nomeado ou, para falar como Hegel, nela o nome se revela o não-essencial, ante a coisa que é essencial. Eles não falam; tampouco se calam: é outra coisa. Já se disse que eles queriam destruir o verbo por acoplamentos monstruosos, mas é falso; pois seria necessário então que eles já estivessem lançados no meio da linguagem utilitária e que buscassem dela retirar as palavras por pequenos grupos singulares, como por exemplo “cavalo” e “manteiga”, escrevendo “cavalo de manteiga”. Além do fato de que semelhante empreitada exigiria um tempo infinito, não é concebível que se possa permanecer no plano ao mesmo tempo do projeto utilitário, considerando as palavras como utensílios, e meditar retirar-lhes sua utensilibilidade. Na verdade, o poeta se retirou de uma só vez da linguagem-instrumento; escolheu, de uma vez por todas, a atitude poética que consdera as palavras como coisas e não como signos. Pois a ambigüidade do signo implica que se possa à vontade atravessá-lo como um vidro e perseguir através dele a coisa significada, ou lançar o olhar para a sua realidade e considerá-la como objeto. O homem que fala está além das palavras, perto do objeto; o poeta está aquém. Para o primeiro, elas são domésticas; para o segundo, elas permanecem no estado selvagem. Para aquele, são convenções úteis, ferramentas que se gastam pouco a pouco e que se jogam fora, quando não servem mais; para o segundo, são coisas naturais que crescem naturalmente na terra como a erva e as árvores.


De: SARTRE, Jean-Paul. "Qu'est-ce qu'écrire?". In: Qu'est-ce que la littérature?. Paris: Gallimard, 1948.

8 comentários:

  1. Perfeito.
    "O homem que fala está além das palavras, perto do objeto; o poeta está aquém."

    A poesia é a coisa em si e não a representação do que siginifica. Na verdade por pulsar, por ser viva a poesia até por vezes dispensa o entendimento como caminho para o sentir, ela só é, e nós a sentimos.
    Certa vez, ouvi a Adélia Prado, dizer em uma palestra.
    " A poesia dá o peixe, sem que tenhamos que entender o anzol."
    Concorda poeta?
    Um abraço.

    P.S: sou fã, declarada e encantada.

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  2. observador,

    lembrei de Arnaldo Antunes!!!

    grande abraço!

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  3. Obrigado Adélia,
    claro que concordo.
    Abraço

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  4. Mas é isso mesmo e não há como ser de outra forma.

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  5. O SER POESIA:

    Que imagens, sem destinos certos, sem nomeações traçadas, sem palavras postas como tijolos em construção, livres e leves, tais libélulas, como a lagarta virando borboleta, como os genes do DNA, como os gases que ao ar se misturam e são um só e assumem formas diversas, volumes diversos, expandem-se, retraem-se ad infinitum e mais e além e aquém: eis a POESIA, a musa em si, secreta, slienciosa, dizendo tudo e remetendo a tudo, pois cada leitor que se delicia dos seus ubiquos sentidos ora vêem isso, ora degustam aquilo.Tão indefínivel e rara que cada segundo eterniza-se no ser poesia: poeira e sereia - como um jogador de futebol e seus dribles à crítica e ao contemplador:

    "JOGANDO TUDO FORA NO VERSO"




    MEU GARRINCHA
    MEU DRUMMOND
    MEU PESSOA
    MEU PELÉ
    MEU ROMÁRIO
    MEU BANDEIRA MANOEL
    MEU MARADONA
    MEU ROBERTO DINAMITE
    MEU YEATS
    MEU WILDE
    MEU SHAKESPEARE
    MEU CASTRO ALVES
    MEU DIDI
    MEU PLATINI
    MEU LORCA
    MEU ANTÔNIO CÍCERO
    MEU DUNGA
    MEU ZAGALO
    MEU KEATS
    MEU BAUDELAIRE
    MEU JOGADOR
    MEU POETA
    ONDE SERÁ QUE ESTÁS NUMA HORA DESSAS?



    ONDE ESTARÁ O MEU ATLETA
    DAS PALAVRAS?
    ONDE ESTARÁ O MEU ATACANTE
    QUE NADA FALA?
    ONDE ANDARÁ O MEU ESCRITOR
    DE TANTAS JOGADAS
    DE TANTOS GOLS?


    MEU MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
    MEU RONALDO
    MEU ROBERTO BAGGIO
    MEU VINÍCIUS DE MORAES
    MEU JOÃO CABRAL DE MELO NETO
    MEU WALY SALOMÃO
    MEU AUGUSTO DOS ANJOS
    MEU ZICO
    MEU FALCÃO
    MEU BATISTUTA
    MEU LOTHAR MATHEUS
    MEU EDMUNDO
    MEU FERREIRA GULLAR
    MEU CAETANO
    MEU CHICO
    MEU DJAVAN
    MEU POETA
    MEU JOGADOR
    EM QUE CAMPO EM QUE LIVRO ELE SE ETERNIZOU?

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  6. A palavra, para o poeta, é coisa. Sartre tá certo. Por isso, Décio tb tá certo quando diz que, na poesia, a palavra vira ícone. E ícone só "É" quando é materializado, quando vira coisa visual, sonora, gustativa, olfativa ou tátil.
    Abrações

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  7. ASPIRAÇÃO

    “Ser Homem é tender a ser Deus”
    Jean-Paul Sartre

    Só quem foi mortal
    poderá ser mais.
    Mas tal possibilidade
    é impraticável na mesma viagem.

    Apenas pelo ritual
    da passagem
    a transcendência acontece.

    Sempre em tempos diferentes.
    Sempre na esperança de recordar.

    Tudo pelo desejo de ser livre.
    Ilimitadamente Livre.

    in Metafísica [Poética]
    livro publicado em 2007 e dedicado ao filosofo brasileiro Vicente Ferreira da Silva (1916-1963), do qual sou homónimo.

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