Pardais novos
Um dia o meu telefone, instalado à cabeceira de minha cama, retiniu violentamente, às sete da manhã. Estremunhado tomei do receptor e ouvi do outro lado uma voz que dizia:
Mestre, sou um pardal novo. Posso, ler-lhe uns versos par que o senhor me dê a sua opinião?
Ponderei com mau humor ao pardal que aquilo não eram horas para consultas de tal natureza, que ele me telefonasse mais tarde. O pardal não telefonou de novo: veio às nove e meia ao meu apartamento.
Mal o vi, percebi que não se tratava de pardal novo. Ele mesmo como que concordou que o não era, pois perguntando-lhe eu a idade, hesitou contrafeito para responder que tinha trinta e cinco anos. Ainda por cima era um pardal velho!
Desde esse dia passei a chamar de pardais novos os rapazes que me procuram para mostrar-me os seus primeiros ensaios de voo no céu da poesia. Dizem eles que desejam saber se têm realmente queda para o ofício, se vale a pena persistir, etc. Fico sempre embaraçado para dar qualquer conselho. A menos que se seja um Rimbaud ou, mais modestamente, um Castro Alves, que poesia se pode fazer antes dos vinte anos? Como Mallarmé afirmou certa vez que todo verso é um esforço para o estilo, acabo aconselhando ao pardal que vá fazendo os seus versinhos, sem se preocupar com a opinião de ninguém, inclusive a minha.
A semana passada recebi carta, não de um pardal, mas de uma pardoca. De urna pardoquinha. Com dezesseis anos, que beleza! Mandava-me versos não só em português, mas em francês também e inglês. Havia qualquer coisa naqueles balbucios. O francês estava bem erradinho, mas o inglês não, e até saiu bonitinho. Respondi-lhe assim:
Dos poemas que você me mandou o melhor está no próprio texto de sua carta e é isto:
Tenho dezesseis anos
Estou cursando o 1.° cientifico
E fico eufórica sempre que escrevo algo.
Se você se sente eufórica quando escreve alguma coisa, vá continuando a escrever, pelo só prazer de escrever, que já não é pouco.
Dezesseis anos! Que idade risonha e bela, não, leitores?
3/7/1955
De: BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967, p.559.
Olá.
ResponderExcluirTremenda coincidência: há uns dias passeei pelas páginas do "Observador no escritório" e marquei justamente um "post" Drummondiano de que me lembrei logo que li essa crônica. Transcrevo para você:
Outubro, 15 - Conversa com Manuel Bandeira. O poeta me diz:
- Quando me procura um desses "pardais novos" (poetas das novas gerações), pedindo-me que leia os seus versos, costumo perguntar que idade ele tem. A resposta chega, no máximo, a 23 anos. Aí eu digo: "Pois olhe, seus poemas são muito ruins, mas não desanime. Eu não escrevi nada que prestasse antes dos 27 anos. E o Drummond também."
E pondo-me a mão no ombro:
- Como vê, você tem me ajudado muito.
(DRUMMOND, O observador do escritório. Record, 1985. pp. 93-94)
NOTA: O outubro é de 1950.
Encontrar a emoção no computador, nas primeiras horas da manhã... O que pode haver de melhor? É isso que seu blog nos dá, Dr. Antonio Cícero. E os comentaristas, como o Alexandre, ainda arrematam com pérolas desse tipo... O que pode haver de melhor?
ResponderExcluirAlexandre,
ResponderExcluirAdorei a história do Drummond e a coîncidência.
Abraço
Obrigado, Léo.
ResponderExcluirPara mim o melhor são comentários como os seus e os do Alexandre.
Abraço
sabedorias de poeta da primeira grandeza. maravilha!
ResponderExcluirdelícia de texto. sábio, leve e divertido. supimpa!
beijoca boa, bonito!