Bertrand Russell, trecho de “No que acredito”:
Acredito que ao morrer apodrecerei e nada do meu eu sobreviverá. Não sou jovem e amo a vida. Mas desdenho tremer de terror à idéia do aniquilamento. A felicidade não se torna menos verdadeira por ter que chegar ao fim, e o pensamento e o amor não perdem o seu valor por não durarem para sempre. Muitos homens já se portaram orgulhosamente no cadafalso; certamente o mesmo orgulho deveria nos ensinar a pensar verdadeiramente sobre o posto do homem no mundo. Mesmo se inicialmente as janelas abertas da ciência fazem-nos tremer após o quente aconchego dos mitos antropomórficos tradicionais, no final o ar fresco revigora, e os grandes espaços têm o seu próprio esplendor.
Citado por DAWKINS, R. The God delusion. Boston: Houghton Mifflin Company, 2006, p.354.
cicero, bonito,
ResponderExcluiro texto é lindo!
muito claro, muito lúcido, bem realista.
com a finitude da existência, não me importo muito; digo sempre às pessoas: ter ou não ter alguma "outra forma de existir sem vida", como escreveu drummond, a mim pouco interessa, ninguém nunca me comprovou nem acredito que comprove. a minha maior preocupação é com o que faço do meu caminho hoje, com o que eu quero de mim, com o que me é fidedigno, enquanto vivo.
e isso não significa dizer que não possa acreditar que alguma coisa haja para além do infinito. isso, guardo para o privado em mim.
carinho e grande beijo!
muito bonito!
ResponderExcluira vida é mesmo um barato, independentemente de algum dia ela chegar ao fim... ou não.
na verdade, a idéia de a vida chegar ao fim não passa de um egocentrismo nosso. afinal, no mundo nada se cria, tudo se transforma, nénão?
abrações
Gosto muito de você... Coloquei esse texto no meu blog. Beijos!!
ResponderExcluira sOoL!!
cicero, quero dizer como é díficil, num mundo de hoje, encontrar seres humanos como vc, sem falsa modéstia.
ResponderExcluirMeus parabéns,estou estudando Filosofia e indiquei seu blog lá na faculdade. Não tem o que comentar, é só "absorver" seus textos.Parabéns e mais uma vez, muito obrigado.
artur nogueia
Muito obrigado, artur. Fico feliz com a sua apreciação.
ResponderExcluirAbraço.
Eu não posso suportar a idéia da finitude humana , nem a ausência de Deus. Como sorrir a um mundo indecifrável e cheio de dor, quando já nem podemos apelar ao transcendente para definir o certo e o errado , onde nossa única garantia é a fé nas trevas do nada? O que vale o prazer da luz diante da morte? O que vale Epicuro, Horácio, Ricardo Reis no abismo do Nada? Esses homens jamais existiram, seus proclamados e calmos deleites são tão indiferentes quanto as atrocidades que poderiam ter padecido.
ResponderExcluirCaro Pedro,
ResponderExcluirVou comentar as suas observações. Vamos por partes. Você diz:
“Eu não posso suportar a idéia da finitude humana”
Isso é mal pensado. A finitude é o que de-fine as coisas. Nada é definido, nada é positivo, nada é dado sem definição, logo, sem finitude. A própria vida é um tipo de finitude. Não há vida sem finitude. A negação da finitude é a negação da própria vida.
Mas com certeza você quer dizer que o que não suporta é a finitude temporal, o fato de que vai morrer. Contudo, isso também é mal pensado. Epicuro, Horácio e Ricardo Reis, por exemplo, pensaram melhor sobre esse assunto. Enquanto vivemos, nossa morte ainda não existe e, quando nossa morte existe, já não vivemos. A vida é infinita temporalmente, não porque se estenda indefinidamente no tempo, mas porque, como um campo visual, não tem limite. Tal qual outras coisas preciosas, ela não se mede pela extensão, mas pela intensidade.
“nem [posso suportar] a ausência de Deus”.
Tanto pode que você está vivo e não há Deus.
“Como sorrir a um mundo indecifrável”
Que seria um mundo decifrado? Um mundo cujo sentido já fosse dado e que apenas teríamos que aceitar? Antes um mundo cujo sentido inesgotável seja inventado e reinventado por cada um de nós.
“[Como sorrir a um mundo] cheio de dor?”
Não temos que sorrir para a dor. A dor faz parte da finitude que nos constitui, mas deve ser reduzida ao mínimo. Quando a dor é insuportável, temos a saída da eutanásia. Felizmente, também a dor é finita. Só a religião é capaz de inventar o pesadelo de um Deus que cria a dor eterna. Mas não se esqueça de que o mundo também contém prazer.
“[Como sorrir a um mundo cheio de dor] quando já nem podemos apelar ao transcendente para definir o certo e o errado”
O “transcendente”, nesse sentido, sempre foi uma invenção supérflua. Sabemos o que é certo e errado graças à razão, que nada tem a ver com “transcendente” algum. Leia o meu artigo “A tese de Ivan Karamazov”, aqui neste blog (http://antoniocicero.blogspot.com/search/label/Dostoi%C3%A9vski).
“[Como sorrir a um mundo cheio de dor...] onde nossa única garantia é a fé nas trevas do nada?”
Desculpe, mas, como o nada não existe, não pode ter trevas. E não conheço ninguém que tenha fé no nada. Ademais, a fé nunca foi garantia de nada.
“O que vale o prazer da luz diante da morte?”
O prazer vale o prazer. Livre-se dessa vontade religiosa de estragar o prazer.
“O que vale Epicuro, Horácio, Ricardo Reis no abismo do Nada?”
Epicuro, Horácio, Ricardo Reis valem muito. O primeiro é um grande pensador. Os dois outros são poetas imensos. Exceto para quem põe a religião acima de tudo, eles valem mais do que a Bíblia inteira.
“Esses homens jamais existiram, seus proclamados e calmos deleites são tão indiferentes quanto as atrocidades que poderiam ter padecido.”
Esses homens existiram. O que é questionável não é a existência deles, mas a de Deus. E devemos dar graças a Deus que não exista o Deus do Cristianismo, que teria, segundo os próprios cristãos, criado um inferno repleto de atrocidades infinitamente piores do que as que os homens jamais foram capazes de imaginar.
Abraço
Você me desculpe, mas eu acho que a sua resposta é meio conceptista. Só faltou afirmar que não comprendeu absolutamente o que eu quis dizer porque a minha linguagem carece de rigor filosófico. Usa sutis jogos de palavras para desfigurar e invalidar o que eu disse. Isso se torna evidente na passagem em que comenta a minha "fé nas trevas"(plágio de Clarice Lispector), expressão que pode ser acusada de mau gosto, mas não de ininteligibilidade. Obviamente eu sei que Epicuro, Horácio e Ricardo Reis (Pessoa) existiram, respiraram nesta terra como eu e você , mas ao afirmar o contrário, quis simplesmente dizer que a morte torna o prazer, como a dor e a própria vida em algo casual e indiferente. Quanto a "Deus" , é uma palavra que pode encobrir conceitos divrsos, e eu não me refiro ao "Senhor dos Exércitos" quando a uso. O Deus que me apraz é aquele que as enciclopédias definem como a realidade última (em oposição a Maya?), nada tem contra o prazer ,não é necessário negar a razão para aceitá-lo e me é mais fácil imaginá-lo impassível (por mais que doa) do que inexistente. E, enfim , quanto ao prazer, se tomado como o bem supremo, devo imaginar que vida mais apetecível e desejável seria algo como um superorgasmo contínuo? Abraço.
ResponderExcluirCaro Pedro,
ResponderExcluirNão vou discutir sobre o que Deus é, já que não acredito que ele exista. Como diz Aristóteles, não se pode saber o que é algo que não existe. Em outras palavras, sobre o que não existe cada qual pode pensar o que quiser.
Não acho que a morte torne o prazer, a dor e a própria vida algo casual e indiferente, pois embora a morte sempre tenha estado aí, o prazer, a dor e a vida sempre mobilizaram imensamente a maior parte das pessoas.
Sobre o prazer, observo duas coisas:
Primeiro, que eu não disse que ele é o “bem supremo”. Não acredito que haja um mesmo bem supremo para todo o mundo. Apenas, quando você perguntou “o que vale o prazer da luz diante da morte?”, respondi que o prazer vale o prazer, isto é, que ele tem o seu valor intrínseco.
Segundo, que, ainda que o prazer fosse o bem supremo, disso não se seguiria que a vida mais apetecível fosse um “superorgasmo contínuo”. Não acho que o prazer erótico seja sempre melhor do que, por exemplo, o prazer de ler ou de dormir ou de conversar ou de olhar a paisagem ou de ouvir um concerto ou de pensar ou de estar com quem se ama ou de conceber um projeto ou de ajudar alguém a se livrar de algum mal.
Abraço
Usei a palavra prazer num sentido muito específico: prazer dos sentidos , gozo dos sentidos, terreno em que a erótica é imbatível. É que o prazer sexual e o prazer que se sente ao se ler um livro, por exemplo,ou na prática da caridade, são para mim sensações de naturezas tão diversas que me parece um verdadeiro escândalo que as designemos pela mesma palavra. Quanto nos enredamos nas palavras para dizer as coisas mais simples... Não me entenda mal:eu, se tivesse que abrir mão de sexo para usufruir de um melhor intelecto, não exitaria, quero saber tudo, minha loucura faustiana. Quanto a Aristóteles, não foi quem inventou aquela história de primeiro motor?
ResponderExcluirNão se pode saber o que é algo que não existe, mas como estabelecer a existêcia ou inexistência das coisas? O próprio Aristóteles acreditava em Deus. O existente é o material e o sensível? Então toda metafísica é uma quimera. Quanto ao valor menor da Bíblia frente a obra desses poetas, você se refere a valor estético , moral ou histórico? Não me sendo possível a leitura de nenhuma dessas obras em suas línguas originais, não seria justo comparar suas qualidades literárias a partir de traduções. A moral arcaica do Talmude pode ser questionada, mas convém não esquecer que não é a única que se depreende de um livro tão extenso e heterogêneo. Aliás, isso de usar os valores morais que informam um livro para desmrecê-lo torna a Divina Comédia uma abominação. Enfim , o valor histórico das obras em questão...
ResponderExcluirQuando o conceito de uma coisa é contraditório, ela não pode existir. Ora, o conceito do Deus das religiões (o Deus de Abraão, com dizia Pascal) é o de um ser ao mesmo tempo infinito e dotado de determinações finitas: ele seria uma pessoa (ou três em uma) ele teria dado ordens a Abraão, ele teria sido cruel ou bondoso, ele teria enfrentado uma revolta de anjos, ele teria criado o mundo etc. Isso é impossível, pois o infinito é o que não tem fines, quer dizer, o que não tem limites, quer dizer, o que não tem determinações.
ResponderExcluirO “Deus” de Aristóteles (o deus dos filósofos, como dizia Pascal) nada tem a ver com o das religiões. Para começo de conversa, ele não é um Deus pessoal. Além disso, ele não é o criador do mundo e nem sequer intervém no mundo. De todo modo, entia non sunt multiplicanda: os entes não devem ser desnecessariamente multiplicados em pensamento. Pois bem, mesmo o “Deus” nada religioso de Aristóteles pode ser criticado por ser uma hipótese supérflua, que nada explica.
Julgo as obras em questão do ponto de vista estético. E o ponto de vista estético é o de uma moral superior, como dizia Gide. Mesmo em tradução é possível, sim, distinguir o que é e o que não é uma obra-prima. Enquanto a Bíblia é um livro extremamente desigual, do ponto de vista estético, as Odes de Horácio, por exemplo, são uma obra-prima insuperável.
De todo modo, encerro esta discussão, que já foi longe demais, aqui. Não tenho o menor interesse em discutir religião porque não tenho o menor interesse em religião.
Você me desculpe, não pretendia ser inoportuno. É que mesmo sem as qualificações adequadas, eu gosto desse tipo de discussão, e no embalo perco o senso de conveniêcia, tomo o tempo dos outros. Eu li um artigo seu na Folha de São Paulo, que se não me engano é o que você refere. Li com muita atenção e interesse e, já tendo lido Os Irmãos Karamazov, não fiquei nem um pouco convencido e foi isso que me motivou a escrever para você. Certamente é você quem tem a razão, sendo como é muito mais vivido e mais lido. Gostei imensamente do seu blog e mais uma vez peço desculpas. Um grande abraço. Pedro Henrique
ResponderExcluirPedro,
ResponderExcluirnão se preocupe. É que esses assuntos de religião não acabam nunca e, como nem tenho tempo, nem gosto do tema, chega uma hora em que perco a vontade de continuar.
Abraço
Cícero,
ResponderExcluirSei que esse tópico é antigo, mas quero registrar minha concordância com o que você diz ao leitor Pedro. Você foi muito claro.... Tenho lido muito sobre a questão da não existência de Deus e posso te dizer que a libertação do peso dessa crença me faz muito bem. Viva o humanismo, viva a razão, vivia a ética. Viva a vida que precisa ser vivida aqui e agora.
Grande abraço