31.8.07

Adorno: de "Mínima moralia"

Considero impecável o seguinte texto de Adorno:


Moralidade e estilo. – O escritor acaba por perceber que quanto mais se exprime de modo preciso, consciencioso e adequado ao assunto, tanto mais o resultado literário é considerado difícil, enquanto que, à medida que faz formulações frouxas e irresponsáveis, é recompensado por uma certa compreensão. Não adianta asceticamente evitar expressões técnicas ou alusões a esferas da cultura que deixaram de existir. O rigor e a pureza da expressão lingüística, mesmo quando associados a extrema simplicidade, produzem um vácuo. O desleixo que flui com a corrente habitual da fala passa por um sinal de solidariedade e contato: sabe-se o que se quer porque se sabe o que o outro quer. Respeitar na expressão o objeto, em vez da comunicação, é suspeito: o que quer que seja específico e não derivado de esquemas dados parece inconsiderado, sintoma de excentricidade, quase de confusão. A lógica contemporânea, que faz tanta questão de clareza, aceitou ingenuamente tais perversões a título de linguagem cotidiana. A expressão vaga permite àquele que a ouve representar-se o que lhe agrada e o que de todo modo já pensa. A expressão rigorosa obriga à univocidade da compreensão, ao esforço do conceito, ao qual as pessoas foram desabituadas, e lhes exige, ante todo conteúdo, a suspensão dos lugares comuns, logo um isolamento a que elas violentamente se opõem. Só consideram inteligível aquilo que não precisam primeiro entender; só as toca e lhes é familiar o que é na verdade alienado, a palavra cunhada pelo comércio. Poucas coisas contribuem tanto para a desmoralização dos intelectuais. Quem quiser se livrar dela deve perceber no elogio da comunicação uma traição ao comunicado.


De: ADORNO, T.W. "Minima Moralia". In: _____. Gesammelte Schriften. Vol.4. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1986. p.114-15.

4 comentários:

  1. Essa passagem me lembra - com as devidas e óbvias diferenças - Georges Bataille dizendo, em "A experiência interior", que escrever é comunicar, mas também que seria exatamente aí que se perderia o sentido da experiência irrepetível. E se iniciaria a comunidade humana. Adorno parece reinvindicar para a escrita e para o pensamento ainda a faísca dessa experiência única de rigor.
    Grande abraço

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  2. Caro Antônio,

    Parece que essa questão está intimamente ligada à da diferença entre poesia e filosofia. Enquanto a primeira concentra-se no estilo, a segunda deve se preocupar antes com um rigor conceitual.
    Seguindo a teoria Jackobsoniana, o compromisso fundamental da exposição teórica é com o referente, isto é, a realidade que se investiga. Sacrificar o conteúdo para tornar a leitura mais agradável, ou para conquistar apoio fácil, é sacrificar a verdade e, consequentemente, a ética e a justiça.
    Infelizmente, contudo, seja por preguiça ou real incapacidade dos autores, esse erro é freqüente em textos teóricos e didáticos de todos os níveis, especialmente nos introdutórios. Tais textos, tentando tornar o conteúdo mais acessível ou atrativo, acabam muitas vezes por modificá-lo, desinformando em vez de informar e formar. É claro que o uso de recursos estilísticos é valioso, mas somente na medida em que colabora para a precisão dos enunciados, e nunca quando a prejudica. É melhor um texto que não deixe dúvidas, embora com uma leitura mais trabalhosa, que aquele em que rapidamente assimilamos inverdades.
    A situação do texto teórico (ou didático) é exatamente oposta à do texto literário. Neste último, toda idéia de subordinar o estilo à pretensa verdade do significado é perniciosa, como é a censura.
    O importante é que saibamos com clareza a que nos propomos e tenhamos o compromisso irrenunciável com a verdade e com a beleza.

    Um abraço,
    Lucas Nicolato

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  3. NAVEGANDO O BREU ESCURO DA LINGUAGEM QUE CRIAMOS
    eu e ela vamos indo

    meu destino é minha língua

    língua que canta, fala
    língua que xinga e que jamais resvala

    que toca o belo e vez em quando vitupera

    quando encanta e até mesmo quando desagrada
    minha sina é minha língua

    o breu escuro da linguagem
    o céu do viço de quem quer e fala

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  4. Thank you, that was extremely valuable and interesting...I will be back again to read more on this topic.

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