9.10.20

Antonio Cicero: "Templo"

 



Templo


 

Para que as Musas residentes lá no Olimpo

façam meus poemas palavras que desejem,

eu que, à sombra de um deus muito mais triste, habito

a fralda de uma montanha muito mais verde,

 

declaro não serem os versos que escrevo obras

de arte mas bases, paredes e donaires

de templos construídos com mãos e com sobras

de paixões, mergulhos, fodas, livros, viagens

 

(precário material com o qual é elaborado

tudo o que merece aspirar a eterna glória)

e -- ainda com os seus andaimes -- os consagro

a elas, às filhas alegres da Memória,

 

deusa que não é, como querem crer os néscios,

a guardiã do passado, com o qual pouco

se importa, mas antes a que nos oferece o

esquecimento quando canta o imorredouro.






CICERO, Antonio. "Templo". In:_____. Guardar. Rio de Janeiro: Record,  1996.

4 comentários:

  1. belo poema, para fazer a gente lembrar qual " valor maior se alevanta " sob as ruínas e os esquecimentos.

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  2. Li e reli muitas vezes este poema nos últimos dias e o acho lindíssimo. Entretanto, queria compreender o que você quis dizer com o "esquecimento" que a Memória nos oferece. Enquanto ela canta o imorredouro nos esquecemos de quê? Do presente, talvez? Desculpe, acho que sou o néscio da última estrofe.

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  3. Caro Lucas Andrade,
    acho que respondo a sua pergunta no artigo que acabo de postar aqui no blog: http://antoniocicero.blogspot.com/2020/10/antonio-cicero-as-musas-memoria-e-o.html.

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  4. Obrigado. Quanto ao artigo, nestes tempos em que aplicativos escolhem o nosso trajeto de volta pra casa ou o que comeremos pro almoço, sinto também que essas coisas que teoricamente deixam a vida mais fácil nos conduzem para longe de um norte, talvez do que dê sentido à vida. Gostei muito.

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