28.4.12

Eucanaã Ferraz: "Passando em frente"




Passando em frente

ao antigo, imponente
prédio:

o leão, velho, pára
e repara, atento,
naquele seu estranho parente.

Repara nas patas
bem postas,
pesadas, afiadas,

nos pelos, nos olhos,
em tudo que, granítico,
jamais apodrece.

O leão velho vê
a si mesmo
e inveja o irmão de pedra.

Pensa, por exemplo, que
não poderia guardar
entradas de edifícios

como faz o pétreo
leão de guarda,
impávido, perfeito.

Enquanto medita, moscas
fazem festa em volta de sua juba,
um tanto suja,

não há como negar, e
todo ele, desse jeito, mostra
uma ternura engraçada,

de palhaço,
de palhaço velho,
mais doce por isso.

O leão de pedra,
ao contrário, é,
depois de um século,

todo empáfia,
um rei
que não morresse,

que não morre,
que permanece, e
mais rei por isso.

O leão de pedra, imóvel,
guarda a entrada do templo,
enquanto o outro

procura por nós, igual
a nós, dentro
do tempo.




FERRAZ, Eucanaã. Desassombro. Vila Nova de Famalicão: Quasi, 2001.

4 comentários:

  1. A propósito do tempo...e de leões!

    Soneto XIX - William Shakespeare

    Devouring Time, blunt thou the lion's paws,
    And make the earth devour her own sweet brood;
    Pluck the keen teeth from the fierce tiger's jaws,
    And burn the long-liv'd Phoenix in her blood;
    Make glad and sorry seasons as thou fleets,
    And do whate'er thou wilt, swift-footed Time,
    To the wide world and all her fading sweets;
    But I forbid thee one more heinous crime:
    O, carve not with the hours my love's fair brow,
    Nor draw no lines there with thine antique pen!
    Him in thy course untainted do allow
    For beauty's pattern to succeeding men.
    Yet do thy worst, old Time! Despite thy wrong
    My love shall in my verse ever live young.

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  2. "O meu novo poema não será" - Para Antonio Cicero

    O meu novo poema não será
    Este em que me procuro desde já,
    Não terá outro aspecto por se ver-
    Ter em meu coração, todo o viver.

    Se os seus versos assim sobrevirão,
    Vingará, de grafite, tal verão,
    Cada quadra, até não mais se deter-
    Minar qualquer palavra por os ter.

    Os ardis, os amores, alto mar
    De sonhos, desses sons, tudo a somar,
    O meu novo poema pode ser
    Que não seja. O que almeja, pode ser...


    Abraço fortíssimo!
    Adriano Nunes

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  3. Outro belo poema, Adriano! Parabéns e obrigado.

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  4. Adoro este poema do Eucanaã. Os versos finais para mim são perfeitos, enigmáticos. Obrigado por compartilhar, Cícero. Grande abraço.

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