9.1.11

Rainer Maria Rilke: "Was wirst du tun, Gott..." / "Deus, que será de ti...": trad. José Paulo Paes



Rafael Martins observou um paralelo entre o poema do José Luis Hidalgo e o seguinte poema de Rilke:


Deus, que será de ti...

Deus, que será de ti, quando eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se me romper?)
A tua água (e se me corromper?)
Sou teu agasalho, sou teu afazer.
Vai comigo o significado teu.

Não tens mais sem mim aquela casa, Deus,
que com quentes palavras te acolhia.
Perdem teus pés exaustos as macias
sandálias: também elas eram eu.

De ti desprende-se o teu longo manto.
O teu olhar, que a minha face, quente
coxim acolhe, virá entrementes,
virá procurar-me longamente
e deitar-se depois, ao sol poente,
entre pedras estranhas, nalgum canto.

Deus, que será de ti? Tenho medo, tanto...


Was wirst du tun,Gott...

Was wirst du tun, Gott, wenn ich sterbe?
Ich bin dein Krug (wenn ich zerscherbe?)
Ich bin dein Trank (wenn ich verderbe?)
Bin dein Gewand und dein Gewerbe
mit mir verlierst du deinen Sinn.

Nach mir hast du kein Haus, darin
dich Worte, nah und warm, begrüßen.
Es fällt von deinen müden Füßen
die Samtsandale, die ich bin.

Dein großer Mantel läßt dich los.
Dein Blick, den ich mit meiner Wange
warm, wie mit einem Pfühl, empfange,
wird kommen, wird mich suchen, lange -
und legt beim Sonnenuntergange
sich fremden Steinen in den Schoß.

Was wirst du tun, Gott? Ich bin bange.



RILKE, Rainer Maria. "De O livro das horas". Poemas. Tradução e introdução de José Paulo Paes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

7 comentários:

  1. Cícero, os últimos posts fazem pensar numa antologia de "poemas ateus".
    Não seria uma pesquisa linda garimpar esses poemas?

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  2. Sim, Fred, mas daria trabalho. Seria preciso garimpar mesmo, pois tais poemas ou trechos de poemas são normalmente ignorados, subestimados ou "interpretados" de tal modo que seu ateísmo desapareça.

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  3. Cicero,

    Belíssimo!


    Um poema recente:

    ‎"um pouco"


    queria outro
    corpo
    outra hora para outra
    esperança
    outra
    paisagem
    mudança
    outro fim
    de semana de luz
    queria a luz
    imensa luz
    imensa verdade de
    luz
    outra estória
    menos repetitiva
    a mesma
    estória
    de quando eu era...

    mas eu nunca fui
    eu nunca passei por ela
    eu nunca
    tentei passar
    por mim... outro
    instante
    rompendo o dia
    outro
    semblante conhecido.
    outra vez
    (eu
    chorando aqui em casa
    e ninguém
    por perto) a vida,
    essa quimera
    corrosiva...

    ai, a cicuta!
    quem me dera e eu
    queria
    outra chance
    de dizer aquele tempo
    de dizer aquela vontade
    de dizer
    que era para estar
    à espera de um ponto qualquer
    e ...
    era eu a cantar a existência
    de tudo
    e a querer
    um único milésimo de segundo
    para
    perdoar as minhas faltas...

    e era outro
    a morrer em mim
    enquanto me penso
    enquanto
    pondero
    peso
    espanto-me:
    nada mais sou
    nem ouso.

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  4. Você já garimpou belos exemplares por aqui...

    abraço!

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  5. Lindo poema de Rilke!! Tão lindo quanto o anterior - de José Luis Hildalgo. Gosto dessa força.
    Abraços.
    Jefferson.

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  6. athanatoi thnêtoi, thnêtoi athanatoi, zôntes ton ekeinôn thanaton, ton de ekeinôn bion tethneôtes

    "imortais mortais, mortais imortais, vivendo a morte destes, morrendo a vida daqueles" Heráclito.

    Cícero, fosse para destacar Zôê e Bios, como ficaria a tradução?

    Grande abraço.

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  7. Caro Climacus,

    Para ser inteiramente sincero, acho que, no contexto, não tem sentido destacar zoê e bios, pois não vejo nele nenhuma oposição entre essas duas palavras. Você não estará caindo num anacronismo tipicamente agambeniano? Afinal, o substantivo “zoê” não é nem utilizado aqui. A expressão “zôntes ton thanaton” tem a forma de “zôntes ton bion”, que era muito comum. Na Odisseia 15,491 Homero diz: “zôeis agathon bion”. E a substituição de “bion” por “thanaton” é tipicamente heraclítica.

    Abraço

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