11.11.10

Geraldo Carneiro: "a outra voz"




a outra voz


não adianta, nada neste mundo

pertence a ti, nem essa ínfima parte

que te compete recifrar em arte.

só é teu o circo das desilusões,

o canto das sereias, o naufrágio

no qual perdeu-se a vida, o rumo, a nave,

a memória da ilha em que viveste

o ato inaugural da tua odisséia.

Penélope esgarçou-se em muitas faces,

e mesmo a guerra, com seus alaridos,

só sobrevive nas versões dos bardos.

não há mais ilha, nem há mais princípio:

teu principado é só imaginário.

 
 
CARNEIRO, Geraldo. "Balada do impostor". Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.

8 comentários:

  1. Cicero,


    lindo! a construção perfeita, com decassílabos. que imagens!


    Grato por compartilhar!
    Adriano Nunes.

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  2. Comento pouco, mas sigo-o sempre...Belíssimo poema!

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  3. Postes

    Postes sobre a rua
    Iluminam
    E este céu que me separa
    passa por mim
    como um canto de primavera
    pela flor formosa e rara
    que escurece vez ou outra
    o breu
    Logo a flor de açucena
    Pequena
    Iluminada
    Para além do nada
    Amanhece lilás azul
    Blue
    Um canto profundo
    Um sonho
    Entre as coisas que ponho
    Para além do meu eu.

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  4. Oi Antônio Cícero,

    Fui Vê-lo na biblioteca de botafogo e adorei o bate-papo.
    Vim dar um alô e vi um poema do Geraldo Carneiro, que ótimo.

    ABraço grande!
    ALine

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  5. Cicero,


    Um poema inédito:


    "corpo" - Para Régis Bonvicino.


    como concebê-lo
    do tarso ao cabelo
    sem medo de um erro?
    (não seria um erro?)

    como revirá-lo
    (fala, fome, falo)
    no verso, de fato?
    com um ritmo exato?

    como consegui-lo
    agora, em sigilo,
    pra vê-lo infinito
    sob a luz do escrito?

    como conhecê-lo
    pela pele, apelo
    tátil, em mim mesmo?
    (pelo toque, a esmo?)

    como dissecá-lo
    no vão intervalo
    da vida? (que traço
    falta? forma? braço?)

    como discuti-lo,
    sem qualquer grilo,
    sem os véus do olvido?
    (o que é permitido?)

    como descrevê-lo
    com esmero, zelo,
    sem nenhum tropeço?
    (que regra obedeço?)

    como desvendá-lo
    de vez, num estalo
    mágico? (divago...
    pra que tanto estrago?)

    como descobri-lo
    (não será vacilo
    dos olhos?) do umbigo
    à voz que persigo?

    como devolvê-lo
    pleno, inteiro ou pelo
    menos verdadeiro?
    (através do cheiro?)

    como repensá-lo,
    ao cantar do galo,
    conservando o fígado
    friamente bicado?

    como consumi-lo
    (mão, mente, mamilo)
    explícito, vivo,
    sem um objetivo?




    Abração,
    Adriano Nunes.

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  6. Sou fã da poesia do Geraldo Carneiro!
    Abraço.
    Ricardo Silvestrin
    www.ricardosilvestrin.com.br

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  7. Cicero,


    Um poema:

    "Ofício" - Para Lêdo Ivo.


    Teço versos
    Como quem de um segundo a mais de vida precisa,
    Como quem um grito de socorro quer dar,
    (Onde fica a saída de emergência?)
    Como quem não sabe fazer outra coisa
    Senão inventar coisas,
    Mundos,
    Sonhos,
    Labirintos, fios, Cretas, grutas,
    Espectros,
    Espaços,
    Gretas,
    Grades,
    Grécias...
    E tudo, em volta do voo, do mergulho,
    Pouco a pouco,
    Esvai-se
    No mar do olvido.

    Teço versos
    Como quem já não tem silêncios para guardar,
    Como quem já perdeu o juízo, o ritmo
    De ver o impossível.
    Estou preso ao cotidiano.
    Que faço com o que não faço?
    Não sei fazer nada mesmo
    Direito. Nem o verso
    Que penso. Nem a forma
    De pensá-lo. Nem isso.
    Nem o pensamento.
    Teço versos
    E o dia de amanhã,
    Para mim,
    É sempre infinito.


    Abraço forte.
    A. Nunes.

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