24.1.10

Os paradigmas de Thomas Kuhn

O seguinte artigo foi publicado na minha coluna da "Ilustrada", da Folha de São Paulo, sábado, 23 do corrente:



Os paradigmas de Thomas Kuhn


No último artigo, citei a observação de Adorno de que "a astrologia [...] oferece um atalho, reduzindo o que é complexo a uma fórmula prática e oferecendo, simultaneamente, uma agradável gratificação: o indivíduo que se sente excluído dos privilégios educacionais pode, ainda assim, pertencer a uma minoria que está "por dentro'".

Chamei a atenção para o fato de que essa descrição da astrologia se aplica a inúmeras outras ideologias, tanto laicas quanto religiosas. Falei destas e fiquei de falar daquelas no artigo de hoje.

Entretanto, vários leitores afirmaram não ver diferença qualitativa entre ciência e religião, ou entre razão e fé. Alguns mencionaram, nesse contexto, as teses do famoso historiador das ciências Thomas Kuhn. Resolvi então comentar tais teses, bem como o uso delas feito pelo relativismo cultural contemporâneo, sob a forma do "construcionismo social".

Para Kuhn, a ciência tem início quando uma comunidade de pesquisadores em determinado campo alcança consenso em torno de um "paradigma", isto é, de uma teoria que funcione como o fundamento da sua pesquisa subsequente. Assim foi, durante a Idade Média, a astronomia geocêntrica de Ptolomeu. Se, por um lado, o processo de adoção de tal paradigma ocorre como uma "revolução científica", por outro lado, após a sua adoção, o trabalho do cientista passa a ser o que Kuhn chama de "ciência normal". Esta se dá como o trabalho rotineiro de pesquisa e solução de enigmas, a partir do paradigma. Constituindo a própria condição de possibilidade da ciência normal, o paradigma dominante então é ferrenhamente defendido pelos cientistas.

Com o tempo, porém, acumulam-se enigmas insolúveis nos quadros do paradigma adotado. A ciência entra em "crise". Com isso, torna-se concebível a adoção de um novo paradigma, capaz de solucionar pelo menos os mais importantes desses enigmas ou anomalias.

Quando ele é encontrado, dá-se uma nova revolução científica. Assim foi a astronomia heliocêntrica de Copérnico, ao substituir a geocêntrica de Ptolomeu. Repete-se então todo o processo.

Segundo Kuhn, os diferentes paradigmas são "incomensuráveis". Isso implica que um paradigma não pode ser entendido a partir de outro, isto é, antes de ser adotado. Sendo assim, a transição de um paradigma para outro não pode ser feita gradualmente. Ela deve ocorrer de uma vez só, como uma "conversão" religiosa. Depois que ela tem lugar, é como se o cientista tivesse passado a habitar outro mundo.

Com o tempo, o próprio Kuhn acabou fazendo ressalvas à tese da incomensurabilidade. Ignorando-as, os construcionistas sociais a tomaram ao pé da letra. Se quem ainda não adotou um paradigma é incapaz de compreendê-lo, argumentam, como poderia julgá-lo, compará-lo a outro, criticá-lo?

Assim se confirma o relativismo cultural. Não admira que os defensores de teorias pseudocientíficas como o desígnio inteligente ("intelligent design") tentem legitimar-se através das teorias de Kuhn. Explica-se também que, acreditando poder ir ainda mais longe, muita gente não veja grande diferença entre a "fé" do cientista no seu paradigma científico e a fé do religioso no seu paradigma religioso...

É espantoso que uma obra como a de Kuhn, cujo sentido seria mostrar a especificidade do empreendimento científico, possa, contra uma gigantesca evidência empírica, servir para confundir a ciência justamente com a religião, em luta contra a qual ela historicamente se constituiu. Se aceitarmos esse resultado, então na ciência, como, aliás, diz o colega de Kuhn, Paul Feyerabend "anything goes", vale tudo.

Mas não é possível aceitá-lo. A versão construcionista social das teorias de Kuhn pode ser rejeitada "in limine", como todo relativismo, simplesmente por ser autofágica. Constituindo ela mesma um paradigma, ela é, segundo seus próprios pressupostos, incomensurável com outros possíveis paradigmas, de modo que não pode ser julgada, comparada com eles ou criticada por quem ainda não a tenha adotado. Sendo assim, desqualifica a si própria: quem ainda não a adotou carece de qualquer razão para adotá-la, e quem já a adotou não é capaz de justificar racionalmente tal decisão a quem não a tenha adotado.

Mais ainda: consiste num empreendimento irrealizável, segundo ela mesma, pois, precisamente ao supor que os paradigmas não possam ser julgados, comparados com outros ou criticados, ela se proíbe de afirmar qualquer coisa sobre eles.

28 comentários:

  1. Caro ACicero,

    Gostaria de aproveitar a ocasião para esclarecer algumas da ideias que avancei nos comentários a seu artigo anterior, do qual este é a continuação.

    Como tentei explicar, quando afirmo que não há uma diferença específica entre a fé do crente e a do cientista, não me refiro às teorias científicas propriamente ditas, mas a seus pressupostos.

    Apenas os filósofos da ciência refletem sobre estes. Mas mesmo eles não vão, em geral, ao fundo da questão. Como se justifica a crença na Lei, por exemplo? Ou na possibilidade de uma "teoria de tudo"? Ou na perenidade da matéria? Ou na possibilidade da emergência casual de organismos, ou seja, de sistemas complexos, a partir do caos inanimado?

    [O Dawkins tenta explicar este fenômeno com base em leis estatísticas, mas "esquece" que com isso só se "explica" a possibilidade da emergência das condições de possibilidade da vida, mas não da própria vida: se fosse assim, a criação da vida em laboratório há muito já seria um fato.]

    Quanto à sua afirmação de que a ciência ter-se-ia constituído contra a religião, tenho novamente de discordar. O pensamento moderno constituiu-se sim contra o argumento de autoridade em geral. Mas nem o argumento de autoridade é uma exclusividade da religião, nem a religião como tal é constituída exclusivamente de argumentos de autoridade.

    Para este e outros aspectos dessa problemática, recomendo a leitura de "A religião e o desenvolvimento da ciência moderna", de R. Hooykaas.

    Por fim, creio ser perfeitamente possível defender a teoria dos paradigmas de Kuhn sem incorrer em autocontradição. Afinal, como essa teoria tem apenas um caráter epistemológico, ou seja, metateorético, ela mesma não pode tornar-se um paradigma científico, e, por conseguinte, servir como base para a ciência comum.

    Abraço,
    edgil

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  2. Caro Edson,

    Como expliquei, estou de viagem e sem tempo ou condições de responder às suas objeções, que oportunamente mostrarei serem irrelevantes.

    Entretanto, um ponto vou mencionar brevemente. Você diz que “como essa teoria tem apenas um caráter epistemológico, ou seja, metateorético, ela mesma não pode tornar-se um paradigma científico, e, por conseguinte, servir como base para a ciência comum”.

    1. Quem supõe que até os mitos religiosos equivalem aos paradigmas científicos não tem o direito de excluir metateoria nenhuma da possibilidade de constituir um paradigma, uma vez que tais mitos, não chegando sequer a ser meta-teoréticos, são, quando muito, para-teoréticos;

    2. Ainda que fosse possível excluir as metateorias da possibilidade de constituírem paradigmas, continuaria válido que, ao supor que os paradigmas não possam ser julgados, comparados com outros ou criticados, essa metateoria ter-se-á proibido de afirmar qualquer coisa sobre eles.

    Abraço

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  3. Caro ACicero,

    Espero que não se incomode de postar os meus comentários. Espero que eles possam dar origem a alguma discussão relevante. Você poderá entrar na discussão assim que tiver tempo e disposição, se quiser. Esta é uma das vantagens deste meio --algo traiçoeiro-- de comunicação.

    Esclarecendo mais um pouco a minha "posição" acerca da relação entre religião e ciência: 1) a religião não se confunde com o mito [segundo Cassirer p. ex. são formas simbólica distintas]; 2) o mito não é em si mesmo irracional; 3) a ciência não superou o mito. Nossa vida, inclusive a ciência, é permeada de mitos. A concepção segundo a qual o mito, hoje, não passa de um atavismo é ela mesma "mítica": o mito do progresso.

    A velha concepção segundo a qual a razão filosófica surgiu do mito, superando-o, foi ela mesma há muito superada pela concepção segundo a qual, no Ocidente, o logos mítico perdeu a hegemonia para o logos lógico -- mas não foi "superado" nem deixou de existir.

    As teorias científicas nasceram todas elas do mito, ou, se quiser, da religião num sentido amplo. As ideias mestras da história da filosofia e da ciência, tais como caos e ordem, matéria e forma, natureza e liberdade, lei etc., são todas de origem religiosa.

    Se a partir delas se desenvolveram teorias científicas e tecnológicas que nada têm que ver diretamente com a religião e o mito, isso eu nunca neguei -- mas é outra questão.

    Abraço,
    edg

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  4. Caro Edson,

    Fico confusa com os seus posts porque me parece que a sua posição se modifica à medida que lhe oferecem respostas - a sua posição vai mudando de lugar e a sua argumentação também, e, dessa forma, é difícil dar uma questão por "arrumada" e partir para a questão seguinte - mas isto pode ser culpa da minha reduzidissima experiência em discussões filosóficas.

    Partindo do que disse o Aetano (com base em Kant) a nossa espécie fez (e faz) uso da razão quando criou (cria) a ideia de "Deus". Essa ideia surge como consequência de um processo de contemplação e reflexão (i.e., da razão).

    A diferença entre ciência e religião, começa no que acontece depois - numa religião, toma-se a existência de Deus como real e como forma de justificar tudo o que se observa (fé); em ciência, essa ideia serviria para criar uma (ou várias) hipóteses testáveis que esclarecessem a existência, natureza, forma de "Deus".

    Como ninguém duvida, penso eu, a ideia de "Deus" não se presta a tratamento científico.

    Da mesma forma que a ideia de deus surge de um processo de contemplação e reflexão, também as ideias de caos, ordem, matéria, forma, natureza, liberdade - e acrescento, temperatura, gravidade, energia, evolução, metabolismo, vida, senescência, ... etc etc - são ideias que surgem da contemplação + reflexão que caracteriza a nossa espécie. E não é que me ofenda que lhes chame ideias religiosas mas acho que ainda não conseguiu explicar porquê: diria que a diferença fundamental, mais uma vez, reside naquilo que acontece depois, para que servem essas ideias numa religião ou em ciência - em ciência procuramos explicar a razão de ser, propriedades e origem desses fenómenos.

    Não é certamente à religião que devemos a "Síntese moderna", não será a religião que nos vai dar (se lá chegarmos) uma teoria unificadora da física: a ideia de uma "teoria unificadora da física" é um produto da razão - e nesse sentido é igual à ideia de deus. Se essa teoria um dia vir a luz do dia essa teoria será, também, um produto da razão - e não da fé. (Sobre essa possibilidade não há consenso na comunidade científica - falta de consenso e debate, duas propriedades essenciais ao progresso científico - também o são em religião?)

    Já agora, em relação à origem da vida, o facto de ainda não termos recriado todos os passos em laboratório não invalida que haja uma explicação científica para a origem da vida: já se sintetizaram ácidos núcleicos e observou-se a sua replicação, já se sintetizaram mebranas... Ainda não conhecemos os pormenores necessários para recriar, em laboratório, esse processo; talvez a probabilidade do fenómeno seja tão pequena que nunca se consiga replicá-lo (o "laboratório" em questão foi um planeta - imagine o número possível de reacções falhadas que, potencialmente, poderemos ter que replicar primeiro!!) - a questão é que com cada tentativa aprende-se mais qualquer coisa. Ao contrário, em religião, atribui-se esse momento maravilhoso a um sopro divino - end of story.

    (também não temos maneira de recriar um universo em expansão num tubo de ensaio - mas temos inúmeras maneiras de mostrar que ele está em expansão...; nunca ninguém observou uma espécie dar a origem a outra e nunca ninguém observou a mutação que deu origem à célula que deu origem a um tumor, mas podemos explicar-lhe como é que isso acontece)

    Enfim, não tenho preconceitos - se me explicar, de uma forma racional, que o meu trabalho de investigadora remete para o foro religioso, que estou a construir uma religião, pois seja (certamente que a possibilidade de eu vir a ser beatificada encantaria a minha avó!)

    Abraço,
    F.

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  5. Prezada F.,

    "A diferença entre ciência e religião começa no que acontece depois": é justamente isso que venho dizendo desde a minha primeira intervenção. A diferença não é de princípio, mas de grau de justificação.

    Segundo Popper, as teorias científicas se distinguem das teorias não científicas ou metafísicas porque, ao contrário destas últimas, são falseáveis empiricamente. Ele acreditava p.ex. que a teoria da evolução e a psicanálise não eram teorias científicas mas metafísicas, porque, segundo ele, nem uma nem outra podiam ser refutadas por uma experiência possível. [Mais tarde ele mudou de opinião em relação à teoria da evolução.] Mas nem por isso Popper desprezava essas teorias. Ele enxergava nelas um grande potencial heurístico, ou seja, acreditava que elas podiam funcionar como programas de pesquisa.

    Ora, isso não é muito diferente do que eu venho dizendo... Ideias metafísicas ou religiosas lato sensu podem funcionar como axiomas ou postulados de teorias científicas.

    Quem não aceita essa tese que tente demonstrar a origem científica das proposições e conceitos básicos da ciência, tais como Lei, matéria, ordem, causa, evolução etc.

    Num nível mais superficial, parece-me claro que muitos cientistas têm uma relação religiosa com sua ideias. Quem faz ciência sabe muito bem que Kuhn está certo no que diz respeito ao funcionamento da empresa científica. Nesse ponto, Kuhn é que está com a razão e não Popper: a ciência real, praticada por pessoas de carne e osso, profissionais remunerados, tem mais a ver com interesses políticos, econômicos e psicológicos do que com a "lógica da pesquisa científica".

    Abraço,
    edgil

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  6. Prezados,

    Com efeito, não posso dizer que eu seja um profundo conhecedor de Kant. Nem a própria Crítica li na íntegra. Acho Kant confuso e prolixo, e eu desconfio de filosofia com um certo hermetismo. Mas li coisas sobre Kant, e não julgo de relevância o que ele tenta nos dizer. Por exemplo, Kant, a meu ver, deposita nas ciências naturais --notadamente matemática e física - uma fé inabalável- e Kant nesse sentido ou era ingênuo ou vai saber o quê... O colega Edson deve se recordar de quando lhe demonstrei no quarto andar da puc aquilo que denominei de paradoxo do zero -- lembro-me que sorriu um riso sarcástico, dizendo-me algo análogo assim: você pretende derrubar as ideias de kant...rsss.... depois recordo-me de ele me informar que no Mais Giannotti tentou escrever algo similar de um modo canhestro, porquanto eu havia encaminhado o meu texto para o Cebrap ...não pretendo me estender...mas depois escrevo mais... sobretudo do heliocentrismo que.... peço desculpa, porque a minha esposa me chamou para lavar a louça... é mole....?

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  7. paulinho (paulo sabino)25 de janeiro de 2010 às 15:55

    plac plac plac plac (aplausos - rs)!!!

    ZENZAZIONAL, cicero!!!

    agora você matou a pau!!

    se se concorda com a tese de que nada possui relação com nada, de que as coisas são incomensuráveis, então párem a discussão os construcionistas, párem imediatamente!!

    afinal, para estes, paradigmas não se fazem incomensuráveis?? então, por favor, quietos!! todos!! com vocês, não vale discussão alguma!!

    cicero, mais uma vez, como sempre!, ARREBENTOU!!!

    não há nada mais lúcido e lógico e cheio de razões do que este seu texto.

    supimpa, meu super-super!!

    beijo grande, do tamanho da sua capacidade de raciocínio - esta sim, incomensurável (rs rs)!!

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  8. Wilson,

    Acho que vc está equivocado quanto a Kant e quanto a mim. Kant tem fé inabalável na razão, mas, para ele, a razão é muito mais do que a razão científico-natural, o entendimento, que só se aplica ao mundo fenomênico.

    Quanto a mim, não vejo nada de mais em refutar Kant ou quem quer que seja. Eu acho por exemplo que Fichte refutou Kant em pontos essenciais. E que o Cicero faz críticas consistentes tanto a Kant quanto a Descartes. Etc.

    Para ser sincero, lembro-me mais das suas poesias do que desse paradoxo do zero. Em todo caso, o que isso tudo tem que ver com a teoria kuhniana acerca da estrutura das revoluções científicas?

    Ab.,
    edg

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  9. Prezado Edson e colegas,

    Veja: eu mesmo digo que não compreendo bem Kant. Talvez por não dominar o alemão tão bem como você, que viveu na Alemanha. Eu só recordei um fato; e para mim não é essencial que você conheça ou não o que digo. Sim, eu era chamado de poeta por muitos colegas. Até eu estranhava(rs). Note: ´Todo discurso filosófico está sujeito a reparos, num e noutro ponto (pois é-lhe impossível apresentar-se tão bem blindado como um trabalho matemático)...(Kant)´...Quanto aos paradigmas: quem determina os paradigmas? Não é uma comunidade ou irmandade científica? Verdade não pode ser legiferada, em meu entender -- e quando penso em razão, não penso na razão de x, na razão de z, bétha, guímel, nun, álef, ômega, ksi, bêt, gama, gyoo, a, ka, sa, ta, na, ha, ma, ya, ra ou wa -- penso numa razão universal e necessária -- por isso não considero o que Kant entende como razão ou como Hegel compreende como razão - se não forem razões universais e necessárias... por isso ´esse tal de pz...rs -- coloca quer queiram ou não, ignorem ou não, a matemática em xeque, e de tabela o princípio da identidade destituindo-lhes toda a universalidade -- portanto se Fichte embasou-se no PI....rs --- não é razão é dóxa... E quando falo de ingenuidade em Kant: ou Kant estudou pouco matemática ou não percebeu as suas insuficiências -- e a lógica, parece-me com falhas também que posso te apresentar. Eu não sou retórico; eu vou no ponto. Por exemplo: se os planetas giram numa elipse em torno do sol, e se elipse tem dois pontos focais, onde estará o outro sol, ou conceito? porque se não for assim, lamento, não devemos considerar elipse, mas, outrossim, qualquer outra coisa - a não ser que façamos uma revisão no conceito matemático de elipse que para os preguiçosos seria muito mais fácil.
    Daí, eu pergunto: é uma revolução heliocêntrica, mesmo...?
    Caros, não escrevo para discutir com ninguém -- apenas coloco problemas... Um abraço carinhoso do wlc

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  10. Li esse artigo na própria Folha. Mas a Folha não era minha. Tentei, então, escanear. Não consegui.

    E agora acho na interneta!

    Que bom!

    Achei uma excelente síntese de Kuhn, mas achei um pouco brusco o paralelo com o relativismo cultural. Pode ter sido inépcia minha, não sei!

    Adorei, de qualquer forma!

    Abraço,

    Isadora

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  11. Caro Edson,

    Se percebo, então, a sua posição resume-se a estabelecer que a diferença entre “não cobiçarás a mulher do próximo” e “as espécies evoluem por selecção natural” não é uma questão de principio, mas é o grau de justificação. Nesse caso, as duas afirmações são comparáveis. Pergunto-lhe então, em qual das duas afirmações é que o grau de justificação é maior?

    Agora vou tentar mostrar que há pelo menos uma ideia religiosa central cuja utilidade enquanto axioma para a metodologia científica é zero:

    Assumindo que “Deus existe” vou testar a hipótese que “uma população de coelhos com recursos ilimitados de espaço e alimento terá um crescimento exponencial”.

    Faço a experiência no campo de Futebol do Coríntias e, de facto, a população de coelhos tem um crescimento exponencial.

    Agora nego o axioma inicial e repito a experiência.

    Assumindo que “Deus não existe” vou testar a hipótese que “uma população de coelhos com recursos ilimitados de espaço e alimento terá um crescimento exponencial.”

    Faz-se a experiência e, de facto, a população de coelhos tem um crescimento exponencial.

    Seguindo a metodologia científica direi que os postulados “Deus existe” e “Deus não existe” são irrelevantes para a hipótese que testei uma vez que ela se verifica nas duas condições.

    Que outras ideias religiosas podem constituir postulados em ciência? Que “a Terra tem 6000 anos” – tomado como postulado criaria muitos problemas para explicar evidência científica nas áreas da física, química, biologia, geologia... Que “a gula é um pecado mortal” - de facto, a obesidade é um factor de risco da saúde humana, mas se a ciência tivesse tomado “a gula é um pecado mortal” como postulado nunca teria chegado a explicar porque é que a obesidade traz problemas à saúde humana...

    Ocorrem-me mais ideias, mas acho preferível perguntar-lhe a si, que já anda a pensar nisto há mais tempo, que outras ideias religiosas lhe parece que deveriam ser postulados científicos e vamos discutir caso a caso.

    (não respondo ao resto do seu post, em que considera a relação que os cientistas têm com o seu trabalho e as condições em que ele é desenvolvido – porque é esta posição sua que gostaria de perceber primeiro).

    Abraço,
    F.

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  12. Prezado Antonio Cicero e colegas,

    Tanto a fé religiosa, quanto a fé na razão ´irracional´ escoram-se em algo não tão racional. Por que se acredita em Deus? Por que se acreditou nas ideias ptolomaicas? Por que se acreditou ou se acredita que no núcleo não há elétrons, se o nêutron se desintegra e o número atômico eleva-se e o que sai do núcleo é uma partícula negativa? Mas há os paradigmas, e os paradigmáticos começam a tentar defender as suas ideias: não...tal carga é um outro tipo de carga e comeca-se a corrigir aqui, a blindar ali, a colocar durepox acolá e por aí vai...até que o titanic afunda de vez... por quê -- porque se acreditou num sofisma ou numa falácia. Eu prefiro Popper, não que ele esteja totalmente certo, porque quando desabar também a casa popperiana também tornar-se-á um sofisma, mas porque é uma teoria que aguça mais a pesquisa --já os paradigmas tornam-se confortáveis e envelhecem e tentam se justificar somente quando há um maremoto ou terremoto -- e quando o epifenômeno não vem de um epicentro paradigmático, é melhor mesmo alijar o epifenômeno e fechar questão em torno da razão irracional e paradigmática, sobretudo se esses paradigmas são servidores ou serviçais de outras questões não menos paradigmáticas e arcanas ainda. Seria, tomando uma frase numa paráfrase de Nelson Rodrigues, ´o inimigo vai cuspir na tua cova, já os paradigmáticos sempre lhe levarão flores - mesmo que ´emurchechidas´ e ainda mortas .´

    Obs: eu, particularmente, não sou tão ingênuo para confundir fé religiosa, com fé racional -- só faço uso dessa frase no sentido de mostrar algumas inconsistências racionais. É óbvio que há uma grande diferenciação de grau...
    Quando se critica a ciência é no intuito de elevar-lhe o grau de correçãoe não jogar toda a água da bacia, mas para isso é necessário humildade dos chamados cientistas -- se jogou a carta errada o melhor seria reconhecer e não blefar e nem melar o jogo...
    Eu mesmo o que tento fazer aqui: colocar perguntas originais e insanas para que alguém possa me refutar e eu responder...

    Obs: eu jamais negaria o valor imensurável da ciência, o que eu critico é a arrogância tanto da ciência como da fé religiosa. Penso que a religião tem seus benefícios, bem como a ciência. Aliás, sem a ciência não sei o que seria de nós todos. Mas um pouco de humildade e diálogos de ambas seria benfazejo para todos nós. Sic cogito.

    um abraço carinhoso do wilson luques costa

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  13. Cara F.,

    F: Se percebo, então, a sua posição resume-se a estabelecer que a diferença entre “não cobiçarás a mulher do próximo” e “as espécies evoluem por selecção natural” não é uma questão de principio, mas é o grau de justificação.

    EDG: Sim e não. Sim, porque o conhecimento é uma crença como qualquer outra; as crenças se distinguem segundo o valor de verdade e grau de justificação. Não, porque não me referi às crenças científicas em geral, mas apenas às crenças básicas.

    F: Agora vou tentar mostrar que há pelo menos uma ideia religiosa central cuja utilidade enquanto axioma para a metodologia científica é zero.

    EDG: Existem muitas, não apenas uma. Mas o meu ponto não é esse. Estou tentando mostrar que as crenças básicas da ciência [axiomas, postulados] não têm origem científica, mas religiosa no sentido amplo.

    F: Assumindo que “Deus existe” vou testar a hipótese que “uma população de coelhos com recursos ilimitados de espaço e alimento terá um crescimento exponencial”.

    EDG: Veja, em nenhum momento eu disse que as crenças religiosas têm valor científico, nem que as crenças científicas são equivalentes às religiosas. Eu não sou irracionalista nem criacionista nem astrólogo nem corintiano.

    F: Seguindo a metodologia científica direi que os postulados “Deus existe” e “Deus não existe” são irrelevantes para a hipótese que testei uma vez que ela se verifica nas duas condições.

    EDG: Laplace já tinha deixado isso claro... Mas de onde vieram os conceitos de Matéria, de Lei, de Determinação p. ex.? Como você explica a causalidade? A indução?

    F: Ocorrem-me mais ideias, mas acho preferível perguntar-lhe a si, que já anda a pensar nisto há mais tempo, que outras ideias religiosas lhe parece que deveriam ser postulados científicos e vamos discutir caso a caso.

    EDG: Sua concepção de religião é muito estreita. Estou me referindo, desde o início, à religião como fé ou crença religiosa como tal, independentemente dos artigos de fé, em comparação à crença científica. Mas vou entrar no seu jogo: se tivessem se inspirado na mitologia hindu [dança de Shiva, Manvantaras etc.], os astrofísicos muito provavelmente teriam chegado mais depressa à ideia de um universo que se expande e se contrai recorrentemente.

    Se vc está mesmo interessada, recomendo a leitura de Mito e metafísica, de G. Gusdorf.

    Abraço,
    edgil

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  14. Prezados,

    Adendo: eu acho importante toda essa discussão -- mas quem colocou um problema de verdade? Não sei se vocês notaram, mas eu coloquei um sobre Einstein; outro sobre o modelo químico; outro sobre a matemática e um outro sobre as elipses... Não digo que estou certo, eu apenas pergunto para a ciência e nos que acreditam, pe na matemática ou em Kepler como infalíveis... Por isso, às vezes, diz-se que não há filosofia no Brasil e (aí sim) com razão... Há, parece-me, sempre uma intervenção no sentido de defender um ideia que se acredita... E isso também poderiam dizer de mim... Portanto, aguardo as ressalvas...
    um abraço carinhoso do wlc

    grato...

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  15. Ah, Cícero!

    Concordo com você quando diz que a afirmação de Adorno descreve bem os excluídos e sua relação com ideologias laicas e/ou religiosas, discordarei apenas se você chamá-la de pseudociência, técnica irracional.

    É tão irracional achar que a astrologia se resume a 12 arquétipos psicológicos, quanto acreditar que, por causa do efeito do observador sobre o mundo subatómico, podemos alterar a matéria com a mente.

    O total de arquétipos apresentados pela astrologia é algo em torno de 10! (dez fatorial), o que nos leva a mais de 3 milhões de tipos de arquétipos psicológicos.

    Agora, não serão os psiquiatras que redescobrirão porque as coisas são assim, mas os físicos não conseguirão descobrir o porque disso sem a ajuda dos psiquiatras.

    Eu não sei, mas acho que todos os cientistas deveriam ler uma historinha num livro chamado O Despertar dos Mágicos (de Louis Pauwels e Jacques Bergier). Capítulo 6º da Sessão sobre Civilizações Desaparecidas. É uma boa história fictícia sobre o que um povo pode vir a fazer com o conhecimento científico de outro.

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  16. Caro Edson,

    Eu estou interessada e o livro é difícil de encontrar (pelo menos na net só encontro em português).

    Há, no entanto, o livro "Myth and the existential quest" de Vassilis Vitsaxis (2006), com uma preview disponível no Google Books, que cita G. Gusdorf várias vezes e que resume o essencial da sua posição no capítulo “Myth and Reason”:

    "the mythic consciousness is that which allows reason to have a place in existence, which contains reason within its entirety, because if left on its own reason would be left (...) without any contact with the real world".
    (G. Gusdorf citado em Vitsaxis, Vassilis. "Myth and the existential quest". Somerset hall press (2006). p. 128, 129

    E Vitsaxis acrescenta logo depois, a concluir o capítulo:

    "And so it goes from myth to reason and back again (or forward it makes no difference) to that which we have called the 'myth of reason' Cogitation and logos are destined to remain eternally captive to the cycle of their eschatological dependence"
    (Vitsaxis, Vassilis. "Myth and the existential quest". somerset hall press (2006). p. 128, 129)

    Ora aquilo a que o Edson chama ideia metafísica ou religiosa sensu lato é o “ponto de partida” deste ciclo, já tinhamos chegado à conclusão (e concordámos nesse ponto). A questão portanto resume-se ao que se segue. O que eu defendo é que, numa ideia religiosa, o ciclo não é percorrido ou, digamos, só dá uma volta e pára – no pensamento científico, o ciclo não pára de rodar (ou de ser percorrido). A isto o Edson chama “graus de justificação diferentes” - eu penso que o grau de justificação é infinitamente maior no caso do pensamento científico (como diz o Cicero).

    O Edson acha que estou a jogar um jogo – o jogo é necessário porque a minha concepção de religião é muito estreita mesmo, sou extremamente ignorante na matéria e portanto preciso que ilustre, com exemplos, aquilo que defende.

    Deu-me um exemplo e ele é óptimo porque parece confirmar aquilo que estou a defender: “se tivessem se inspirado na mitologia hindu [dança de Shiva, Manvantaras etc.], os astrofísicos muito provavelmente teriam chegado mais depressa à ideia de um universo que se expande e se contrai recorrentemente”

    A questão é que, de facto, ainda não há consenso sobre se o Universo se expande e se contrai recorrentemente. Mas se os astrofísicos tivessem partido com essa ideia teriam parado na altura em que a evidência parecia apontar para que houvesse matéria suficiente no universo para gerar contracção sob acção da sua própria gravidade – tinham parado! Compreende a diferença?

    Muito melhor como ideia fundadora da astrofísica foi o paradoxo dos Gregos antigos (um paradoxo e não um mito religioso senso estrito): por um lado imaginar um universo infinito parecia inconcebível; por outro, se o universo fosse finito e alguém na sua fronteira estendesse a mão, o que aconteceria à mão?

    Este paradoxo (a que chama ideia metafísica ou religiosa sensu lato) é muito mais poderoso do ponto de vista científico que a dança da Shiva... Tanto até que ainda não está resolvido: se o universo, de facto, se vier a contrair então haverá um momento infinitamente pequeno em que ele é, de facto, finito... e o que acontecerá à mão nesse momento?!?

    Abraço,
    F.

    ps. concordo em absoluto com os perigos da “fé” científica – eles são os mesmos da fé religiosa; e, claro, um bom cientista não “blefa” como diz o Wilson; e, claro também, ainda há muito trabalho para fazer em ciência... e, a julgar por este blog, em filosofia ; )

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  17. Prezada F.,

    Eu já havia concordado com você antes, e não tenho muito mais a dizer a respeito desse ponto.

    É claro que a ciência "não encerra o ciclo". Em compensação, ela não explica nada, enquanto a religião sim explica. E por isso, entre outras coisas, esta é imprescindível ao homem.

    Quanto ao meu exemplo, foi mais um gracejo do que um argumento. O meu ponto não é esse, afinal.

    Eu estou cada vez mais convencido de que a ciência, ou melhor, as ciências é tributária da religião no sentido amplo, o que inclui o mito e a metafísica.

    E é claro que não estou sendo nada original nessa minha suspeita. Até Descartes defendia coisa parecida!

    Abraço,
    edgil

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  18. GUSDORF, Georges. Mito e metafísica. São Paulo: Convívio, 1980. p. 274-289:

    http://edsongil.wordpress.com/2010/01/27/ciencia-razao-e-mito/

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  19. A religião nos limites da Crítica da razão pura:

    http://edsongil.wordpress.com/2010/01/27/religiao-nos-limites-da-critica-da-razao-pura/

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  20. Prezado Cícero, (parte1)
    O fato de que o Brasil disponha de uma incipiente literatura de divulgação científica (cuja incipiência é diretamente proporcional à cultura média de seu virtual público) favorece a criação de pontes místicas entre ciência e senso comum. Se eu não entendo a física quântica, aproximá-la do budismo talvez facilite as coisas. Uma nada sutil abolição do princípio da causalidade é procedida pelo arredamento do domínio empírico em proveito de ilações permissivas e conjecturais. Assim, o que o senhor Antonio Cícero aponta em seu artigo é algo de grave repercussão no mundo intelectual: que o charlatanismo e os misticismos confusos e pseudocientíficos (mesmo os de boa fé) possam municiar uma elite esclarecida. Evidentemente, o acesso dos leigos ao pensamento especializado exige estratégias redutoras da complexidade. Na ausência delas, instaura-se uma espécie de jogo de pôquer (ou truco) no qual cada jogador alega deter a melhor combinação de fundamentos olvidados e indispensáveis para o debate. Isso inevitavelmente conduz a uma busca dogmática pelo fundamento inconcusso e desloca o foco do debate sobre o estado atual da ciência como instituição social. No mais, as explicações esquemáticas e as justaposição de coincidências apresentadas como provas formaram uma espécie de público semiletrado em ciências, com o qual se acumpliciaram alguns pesquisadores (em especial norte-americanos) e uns tantos filósofos (em especial os franceses).
    Quanto a Kuhn , sugiro um exercício hermenêutico: substitua-se a palavra paradigma pela palavra moda na leitura de seus textos e assim se poderá compreender a sua real função semântica em uma narrativa histórica que, por abstrata, ambiciona, sem sucesso, a estrutura antecipadora de uma teoria científica. Aliás, há de se considerar aqui ainda um outro elemento: na ciência aplicada (1) há uma primazia do problemas sobre as teorias, sendo relativamente ocioso que se cuide de sua sucessão epistemológica como um problema realmente autônomo; e (2) no caso das chamadas ciências puras, as teorias já são os seus próprios problemas.

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  21. (parte 2)

    Contra Popper, Kuhn sugeria que as teorias, mesmo refutadas, resistiam até que fossem substituídas por outras. Penso que ele tivesse razão, pelo menos até os anos 1950. Entretanto, basta uma espiadela no funcionamento do atual sistema científico para perceber o que se passa: o encastelamento dos cientistas em seus feudos acadêmicos e profissionais reduziu drasticamente o enfrentamento entre as teorias que aspiram se suceder. O debate franco foi substituído pelo convívio tenso, silencioso e subterrâneo entre as teorias, cada qual tramando e executando suas estratégias metacientíficas de disseminação, afirmação e consagração.
    Que os darwinistas levem cotoveladas dos criacionistas é uma grave recidiva da metástase pré-moderna. Porém, um debate muito mais complicado – e este sim empiricamente relevante – se desenrola sobre a reabilitação de algumas idéias do lamarckismo pela noção de herança epigenética. Mas talvez o melhor exemplo provenha das teorias sobre o Buraco Negro difundidas para o grande público por Stephen Hawking, o gênio-quasímodo apresentado como o sucessor de Newton. Por trás de uma figura aparentemente inofensiva e digna de piedade, está a máquina feroz de um grupo de físicos cerrando fileiras para impedir o progresso de uma teoria rival, a teoria das supercordas. Estas teorias enfrentam-se na busca institucional de verdadeiros monopólios de verbas de pesquisa, de bolsas, de uso de laboratórios e telescópios, de espaços em publicações científicas e até de uma ocupação sistemática do destaque midiático. Recentemente, um abaixo-assinado de cientistas escandalizou o mundo ao denunciar o bloqueio de verbas para pesquisas sobre as supercordas promovido pelos partidários do big bang e do buracos negros. Tais coisas raramente aparecem aos olhos desarmados de um senso comum mais interessado em personagens bizarros e novidades fantásticas. E para descrever isso que estou apenas mencionando, existem meios muito mais adequados que a teoria de Kuhn, que assim sobrevive sem ser refutada nem substituída.
    Como filósofo, o Senhor Antonio Cícero merece cumprimentos por exercer uma atenta vigilância sobre os limites da coerência eao criticar a usurpação da autoridade do topos científico. Quando o budismo encontra Bohr e quando se pretende derivar éticas de dietas, não surpreende que até a navalha de Ockham perca o fio.

    Excelente artigo.

    Cordiais abraços,

    Marcus Fabiano

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  22. Caro Cicero,


    Muito se diz que a dúvida é coisa do "diabo". Se duvidar é algo de que não se pode desvencilhar, então por que não duvidar da própria dúvida?

    O que me intriga é que uma miríade de pessoas, crentes "Cheios de fé", querem igualar na mesma esfera o ato de perguntar, como se perguntar fosse duvidar, e o ato de duvidar. Lembremos que a dúvida incide sobre as respostas e jamais sobre as perguntas. Aí é que está:
    Ultimamente, venho definindo a fé como um oncogene nas mentes humanas. Como médico, espantam-me os exagerados e irracionais atos de fé!

    A fé é o irracional onipresente. Não há lugar para crença onde há certeza de conhecimento.

    Paulo pregando em Coríntios quer a todo custo transformar a razão numa vassala da fé (senão, exterminá-la!), o que é um erro grave, pois mesmo Cristo que pregava através de parábolas, (intrigantes, instigantes, inteligentes!), estimula-nos a pensar, a usar a razão!

    A fé é a metafísica da metafísica que os "sonhadores e almejadores do paraíso, os que temem todos os castigos" propagam além...

    "A heteronomia não significa que a fé seja extorquida à força, por meio de argumentos de autoridade impostos de fora. O cristianismo, ao contrário, é a religião por excelência que deixa o homem livre para decidir, que lhe reconhece a legitimidade do seu foro íntimo e que atribui mérito à fé apenas pelo fato de que ela depende, ao menos em parte, de uma livre escolha. É por esse motivo, aliás, que o papa João Paulo II, reconhecendo a heteronomia radical da verdade, nem por isso deixa de tentar conciliá-la com a liberdade de consciência" (Luc Ferry; "Vencer os Medos"; página 151; Martins Fontes)

    Nietzsche bem diz quando afirma que nunca viu a fé mover nenhuma montanha real, mas ao contrário: a fé põe montanhas em meio a tudo, como um grande estorvo.

    Acrescento aqui um texto de Fernando Pessoa: (in "O Livro do Desassossego"; página 310; Companhia das Letras)

    "Nenhum problema tem solução. Nenhum de nós dasata o nó górdio; todos nós ou desistimos ou o cortamos. Resolvemos bruscamente, com o sentimento, os problemas da inteligência, e fazemo-lo ou por cansaço de pensar, ou por timidez de tirar conclusões, ou pela necessidade absurda de encontrar um apoio, ou pelo impulso gregário de regressar aos outros e à vida.

    Como nunca podemos conhecer todos os elementos de uma questão, nunca a podemos resolver.

    Para atingir a verdade falta-nos dados que bastem, e processos intelectuais que esgotem a interpretação desses dados."


    P.s.: parabéns por maravilhoso artigo!


    Grande abraço,
    Adriano Nunes.

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  23. Colegas,Amigos,Geniais:

    Fico feliz com tanta razão e argumentação :
    Põe esse "papo" na televisão!!!
    ...Porque já cansei do Faustão.
    Abraços.

    PS-sigo lendo, no escuro,mas lendo...

    João Ninguém.

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  24. Prezados,

    Mais um adendo: Eu penso que confundimos muito ciência com razão. A ciência, a meu ver, é algo pesquisado e beneplacitado enquanto tal por uma comunidade científica e que resolve os problemas colocados, mas não os esgotam em sua totalidade. Não me parece ser algo líquido e certo. Haja vista as correções já havidas na ciência. Já a razão seria algo impossível de negar. Eu mesmo já dei exemplos: pe, a frase indutiva Todo Homem é mortal -- dá-me ensejo - no momento em que alguém a profere - de dizer que é uma verdade absoluta que NENHUM HOMEM PODERÁ PROVAR ESSA PREMISSA -- é lógico que poderá haver um engodo lógico nisso -- e até aí poderíamos discutir zeteticamente até o amanhacer questões conceituais como: mas o que é homem? mas o que é mortal? e se a reduzirmos a Todo A é B? questões que eu mesmo antecipo e coloco, para não dar ensejo a divagações narcísicas e retóricas... Por isso temos que definir as questões e as problematizações, porque uma coisa é dizer Todo A é B e outra é dizer algo que nos toca a vida... Vejam: B não tem sentimento numa frase lógica; portanto afirmar empiricamente que Todo homem é mortal, parece-me uma falácia indutiva embora todos quase saibamos que daqui a 3 séculos, nenhum de nós estará discutindo questões assim... E quando TODOS JÁ NÃO ESTIVEREM -- essa frase parece-me também não ser mais verdadeira -- por que como pode ser mortal aquilo que já morreu?...
    um abraço carinhoso em todos os zetéticos colegas ...fui... quase sugado no pensamento pelo tempo que se expira da lan house..

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  25. Caro Antônio Cícero,

    Também acho muito curioso a não diferenciação, tão comum hoje, entre ciência e religião. É preciso levar em conta que enquanto esta última tem como fundamento a fé em uma realidade transcendente detentora do poder de intervir no real através do clamor do fiel, aquela, por meio da razão, conhece objetivamente fatos. Uma segunda diferença consiste no objetivo de ambas: a ciência é sempre local, conhece alguma coisa específica, um campo determinado; ao passo que a religião tem a vocação de universalização (tendência que também encontramos na filosofia). Além do mais, a linguagem de que se utiliza a ciência é a da matemática. Ou seja: a linguagem verbal, as palavras ou conceitos de nossa língua de nada servem para o conhecimento. A virada empreendida por Galileu quando se contrapôs ao cosmo aristotélico consiste exatamente nisso. O pressuposto de que conhecer é adequar a palavra à coisa não é de maneira alguma um pressuposto científico, mas acredito poder afirmar que em alguma medida ainda é o da religião. E mais: não é qualquer coisa que é visada pela fé, mas aquela cujo próprio acesso nos é impedido pelas vias comuns dos sentidos.

    Um abraço,
    Bruno Holmes Chads (bhchads@hotmail.com)

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  26. Caro Bruno,

    Creio que a diferença principal entre as crenças científicas e as religiosas é que as primeiras são empíricas e as segundas, não empíricas. [Vamos deixar a filosofia e a lógica fora disso por enquanto.]

    O problema é, então, que as ciências operam --direta ou indiretamente, como axiomas e postulados-- com conceitos não empíricos, tais como: matéria, forma, energia, natureza, determinação, causalidade, substância, espaço, tempo, lei, evolução, acaso etc.

    A minha tese, nada original, é que esses conceitos ou ideias têm uma origem religiosa no sentido amplo, o que inclui a metafísica.

    A ciência moderna não é cartesiana, e nós, contemporâneos, não temos mais a concepção racionalista de ciência, que era ainda a de Kant, a saber, a de conhecimento universal e necessário.

    Sabemos hoje que o conhecimento científico é conjectural, que ele portanto não é fundado. E como você diz, não corresponde a uma realidade dada, mas é coerente com os objetos construídos por abstração.

    Há assim muitas diferenças entre ciência e religião, mas há também semelhanças de fundo.

    Além de tudo, como a comunidade científica é constituída por pessoas de carne e osso, a ciência não está totalmente isenta de ideologia: o cientificismo, o positivismo, o evolucionismo etc. são ideologias "religiosas".

    A ciência concreta não é totalmente
    racional, e nem a razão é apenas instrumental.

    Abraço,
    edg

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  27. Marcelo GLEISER na Folha (Mais!: Ciência) de hoje:

    "... Ao olhar para o Universo, o homem é nada. Ao olhar para o Universo, o homem é tudo. Esse é o paradoxo da nossa existência, sermos criaturas espirituais num mundo que não se presta a questionamentos profundos, um mundo que segue, resoluto, o seu curso, que procuramos entender com nossa ciência e, de forma distinta, com nossa arte.
    "Talvez esse paradoxo não tenha uma resolução. Talvez seja melhor que não tenha. Pois é dessa inquietação do ser que criamos significado, conhecimento e aprendemos a lidar com o mundo e com nós mesmos. Se respondemos a uma pergunta, devemos estar prontos a fazer outra. Se nos perdemos na vastidão do cosmo, se sentimos o peso de sermos as únicas criaturas a questionar o porquê das coisas, devemos também celebrar a nossa existência breve. Ao que parece, somos a consciência cósmica, somos como o Universo pensa sobre si mesmo."

    Então, meus caros, digam lá qual é a diferença "infinita" que separa o discurso do famoso professor de física teórica (Dartmouth College, em Hanover, EUA) do discurso religioso?

    Claro, podem responder que, aqui, o Gleiser está filosofando e não fazendo ciência etc. Mas essa resposta simplesmente não colhe. Ela implica uma esquizofrenia por assim dizer bachelardiana do cientista, que possuiria a sobre-humana capacidade de suspender totalmente suas crenças e preocupações metafísico-religiosas ao pôr os pés no laboratório.

    Ab.,
    edgil

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  28. A “basicalidade” da crença em Deus segundo Alvin Plantinga:

    http://www.pucminas.br/imagedb/documento/DOC_DSC_NOME_ARQUI20070328103026.pdf

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