4.7.09

Waly Salomão: "Rua Real Grandeza"

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Rua Real Grandeza

ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta a chave
na fechadura da porta
abra volte veja
sou um cara sem saída
mas não se iluda com esta minha vida
toda vez que avisto sua figura leviana
no pórtico do quarto
penso em dar um corte em quem me embroma
sou forte abra volte
veja se me entende e me ama
desde o berço conservo o mesmo endereço
moro na rua Real Grandeza
abra abra a porta
volta e veja
você não me engana
sozinho sem amor sem carinho
não digo com certeza
mas posso me arruinar
veja
jatos de sangue
espetáculos de beleza
ah vale a pena ser poeta
escutar você torcer de volta
a chave na fechadura da porta.



Esta letra de Waly Salomão foi musicada por Jards Macalé


SALOMÃO, Waly. "Rua Real Grandeza". Gigolô de bibelôs. São Paulo: Brasiliense, 1983.

8 comentários:

  1. Amado Cicero,


    Waly: GRANDE POETA REAL!



    Abração!
    Adriano Nunes.

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  2. Cícero, 'thanks' profundos.
    Waly é uma referência de ser humano. Suas antenas foram (são) possantes e ele merecia viver muito mais... É uma pena...
    Mas, felizmente, existem os textos e poemas que nos legara, e os filmes retratando a sua trajetória poético-vivencial-visceral-explosiva (ou tudo junto), que nos dão e darão toques totais para continuarmos no caminho existencial, entre alegrias e 'sofreres', mas com poesias plenas asas azuis...
    Valeu, poeta, um abraço de 5000 volts em sua alma de homem bom! Kolofé!
    Edson (da Bahia)

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  3. Nau

    Salvo do naufrágio
    Por conta de um presságio
    No rio aonde as borboletas
    São tantas que são nuvens
    Aonde os rios que se encontram
    Não se misturam
    Uma nau
    Um vislumbre
    Uma lua frouxa em plena Manaus
    Um golpe certeiro
    Na boca do caos.

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  4. o poeta faz a realidade nos objetar, não é? até com uma pedra, perdida no caminho...

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  5. Antonio,



    O Mariano postou no blog dele a gravação da música e um pequeno ensaio sobre o disco em que ela está, citando a sua postagem, complementando-a - achei lindo!
    Parabéns para os dois - ótima escolha postar Waly Salomão!


    Beijos,
    Cecile.

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  6. Cicero,

    Um poema recente:


    "CALOS" (PARA MARLOS ANTÔNIO)


    "A kiss may ruin a human life." -- “A Woman of No Importance”
    Oscar Wilde





    Essas gretas construo
    Com todos os meus gritos,
    Com concretos de lágrimas,
    Com cimento, grafite,


    Pranto, prece, papel.
    Agora que me importam
    Esses túneis de treva?
    Por que neles penetro


    Ainda? Por que em mim
    Trago tristes lembranças
    Daqueles vãos tropeços?
    Por que me desvencilho,


    Feito cego, de pedras,
    De quedas, com os braços?
    Por que não me protejo
    Do susto insuportável?


    Por que nunca me livro,
    De vez, de todo verso,
    De toda vida? Nada
    Adianta querer?


    Sonho: qualquer metáfora
    Que traço. Que me fere,
    Portanto, no poema?
    O que tanto procuro


    Entre tantas promessas,
    Entradas e saídas
    Desse seu labirinto
    De palavras, sentidos?


    Por que sempre preciso
    percorrer seus desvãos,
    Desviando-me até
    Da morte, desse tédio?


    Por que não me desfiz
    Da alegria, do encontro
    Da métrica, do risco?
    Por que sorri sozinho,


    Perdido, preso às rimas,
    Entre as estalactites
    De ferro dos acervos
    Das livrarias todas,


    Entre as estalagmites
    Sagradas das seções
    Dos sebos? Quanta luz
    Busquei! Quanto Silêncio!


    Guardava madrugadas,
    Em segredo, sem sono,
    Consumindo-me, vivo,
    Escavando um abismo


    Sem fim, sem ter fronteiras.
    Meu ser em tudo pus,
    Em tudo me finquei,
    Porque supus ver Deus.


    Acreditei nas formas
    Infinitas do tempo,
    Nas portas e janelas
    Da existência, mas quis


    Fechar-me nos exílios
    Das dúvidas, do medo.
    Não me afasta de mim
    Nem me machuca mais


    Qualquer arquitetura
    Feita de sombra apenas.
    Sei que posso explodir:
    Fogo e pólvora sou.



    Abraços,
    Adriano Nunes.

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  7. adoro essa canção, cicero!...

    e bom lembrar dela agora, porque tô morando próximo à rua real grandeza. hoje em dia tenho que passar por ela para chegar à minha casa.

    mais tarde, tenho certeza disso já (rs), não terei como não cantar esses versos ao cruzá-la...

    beijo, bonito!

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  8. Cícero:
    Gosto mais ainda de uma letra dele que foi musicada pela Adriana Calcanhoto, dando nome ao CD: A Fábrica do Poema. É simplesmente sensacional. E ficou mais sensacional ainda porque a melodia composta pela Adriana e o arranjo que fizeram tem um clima onírico que combina à perfeição com a letra.
    É assim, ó:

    Sonho o poema de arquitetura ideal
    Cuja própria nata de cimento
    Encaixa palavra por palavra. Tornei-me perito em extrair faíscas das britas e leite das pedras.
    Acordo;
    E o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
    Acordo;
    O prédio, pedra e cal esvoaça
    Como um leve papel solto à mercê do vento e evola-se,
    Cinza de um corpo esvaído de qualquer sentido
    Acordo, e o poema-miragem se desfaz
    Desconstruído como se nunca houvera sido.
    Acordo! os olhos chumbados pelo mingau das almas
    E os ouvidos moucos,
    Assim é que saio dos sucessivos sonos:
    Vão-se os anéis de fumo de ópio
    E ficam-me os dedos estarrecidos.
    Metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
    Sumidos no sorvedouro.
    Não deve adiantar grande coisa permanecer à espreita
    No topo fantasma da torre de vigia
    Nem a simulação de se afundar no sono.
    Nem dormir deveras.
    Pois a questão-chave é:
    Sob que máscara retornará o recalcado?
    Abraços e parabéns pelo blog!

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