16.2.09

Domingos da Mota: "Rumor"

.


Rumor

a Eugênio de Andrade

Servias o silêncio
decantado num
cálice de luz,
sílaba a sílaba:

rumor quase
nu, agasalhado
com duas, três
palavras em

surdina: breves
como as aves: livres,
roucas desceram por aí
a debicar: poisaram

nos meus olhos
e na boca:
mas prestes a subir
e a voar.



Domingos da Mota
(Publicado, com variações, na revista Palavra em Mutação, Nº.1 zero, Maio/Outubro 2002).

8 comentários:

  1. Cicero,

    meu novo soneto às pressas:


    "SONETO-QUADRO"


    Esse emaranhado céu de cobalto,
    Sobre o asfalto gasto, tudo digere,
    Mas o seu sol parece bem-me-queres
    Quando, a pino, fita a vida do alto.


    Do lado de lá, onde finda o flerte,
    Falte, talvez, o azul do firmamento
    A fixar-se, disforme, no que invento.
    Movem-se nuvens, agitam-se, verdes,


    As matas vistas por meu coração.
    Nada se revela. Aqui se desfaz
    A miragem: as coisas como são


    Não coincidem com a imaginação:
    Nem os navios parados no cais
    Nem, de repente, se os sonhos se vão.


    Abraço forte!
    Adriano Nunes

    ResponderExcluir
  2. Caro poeta Antonio Cícero,Agradeço que tenha publicado no portal do seu blog,«comme il faut», o meu poema Rumor que dediquei a Eugénio de Andrade, quando ele ainda estava do lado de cá, e a que ele me respondeu com o poema As sete Bicas, mais tarde publicado no seu livro Pequeno Formato.Naturalmente que é um poema de um amador de poesia. O Eugénio merecia e teve felizmente outros grandes poetas que o homenagearam devidamente.(Certamente é um abuso da minha parte, mas gostaria de publicar no meu blogue http://fogomaduro.blogspot.com/ um ou outro dos seus poemas, publicados no seu livro A Cidade e os Livros, edições Quasi, e que acabei de comprar, e para isso gostaria de ter a sua autorização expressa).O meu obrigado, e as melhores saudações poéticas (e filosóficas),
    Domingos da Mota

    ResponderExcluir
  3. CICERO,

    Outro poema novo:


    "ESTILHAÇOS" (PARA AETANO)


    Quando me desfaço,
    Feito esses desenhos
    Dispersos no céu,
    Feito esses rascunhos
    Poéticos densos
    No papel, exponho
    Rarefeitos cacos
    Desse cosmo quântico,
    Dessa vida ardente
    Ávida por versos.


    A minh'alma vibra
    Como brasa em chamas.
    Depois, nada sinto.
    Depois, mundos quero.
    Ser quem eu só sou,
    Apenas dispenso,
    Para não ferir
    A Fênix que dorme,
    Toda madrugada,
    Em meu coração.


    Esses estilhaços
    Colados não são
    Pelos meus desejos.
    O meu sangue jorra,
    O meu grito calha,
    O meu pranto pára,
    O meu ser metáfora
    Revolta-se: sempre
    Quer ser tal Proteu,
    Sem forma possível.


    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

    ResponderExcluir
  4. Cicero,

    Outro poema novo:

    "COM LÁPIS, PAPEL E LÁGRIMA" (PARA A MINHA AMADA MÃE)


    Desisto de mim e sumo.
    Preciso-me desprender
    De tudo que ainda sou.
    Não resta traço sequer


    Da minh'alma de poeta.
    Consumo-me consciente
    De que nada quero ser.
    Fui outras vezes o sonho


    De ter a tez tatuada
    De versos, de ver os ossos
    Roídos por rimas, rins
    Desfeitos feito marés:


    Alternadamente Fênix,
    Fígado de Prometeu,
    Epiderme e coração
    Do inesperado devir.


    Não deixei de duvidar
    Da dádiva da Mudança,
    De lapidar minha vida
    Com lápis, papel e lágrima.


    Nunca me refiz inteiro,
    Nunca quis essa quimera
    Invadindo os meus olhares,
    Não provei dessa alegria.


    Aqui dentro morre o mundo,
    Mas renasce a cada dia,
    Outro céu bem mais distante,
    Outro tempo sem promessa


    De nada, sem hora H.
    Desisto de mim e fujo
    Das palavras, dos sentidos
    Violentamente estéticos.



    Abraço forte!
    Adriano Nunes.

    ResponderExcluir
  5. Não há nenhuma flor na proa
    Do barco que navega sem cessar
    Será que a esconderam
    Na popa, noutra dobra
    Lembranças diluídas
    Vela inflada, boto, baleia,
    Sereia perdida a se encontrar
    Mar adentro, unguento,
    Espectro solar
    Boca a deslizar na nuca
    Flores no jardim dos amores
    Na veia da palavra que não naufraga
    Imersa no teu olhar.

    Para Adriana Calcanhotto e seu incrível livro "Saga Lusa".

    ResponderExcluir
  6. Este poema me emocionou, talvez porque ponha em palavras a mágica que eu sinto ao ser tocada por um poema: "surdina: breves / como as aves: livres ... mas prestes a subir / e a voar".
    Vou atrás de outros textos do autor, que desconheço.

    ResponderExcluir
  7. Caro Domingos da Mota,

    gostei do seu poema e gostarei muito de ver os meus poemas no seu blog. Dou-lhe autorização com prazer. Muito obrigado.

    Grande abraço

    ResponderExcluir