4.2.08

James Joyce: de A portrait of the artist as a young man

Vê-se a forma épica mais simples emergir da literatura lírica quando o artista se prolonga e se debruça sobre si mesmo como o centro de um acontecimento épico e essa forma progride até que o centro da gravidade emocional esteja eqüidistante do próprio artista e dos outros. A narrativa deixa de ser puramente pessoal. A personalidade do artista passa à narração mesma, fluindo e refluindo em torno das pessoas e da ação como um mar vital. É fácil ver esse progresso naquela velha balada inglesa Turpin Hero, que começa na primeira pessoa e termina na terceira. Alcança-se a forma dramática quando a vitalidade que fluiu e revolveu em torno de cada pessoa preenche toda pessoa com tamanha força vital que ela assume uma vida estética própria e intangível. A personalidade do artista, inicialmente um grito ou uma cadência ou um tom e depois uma narrativa fluida e tremeluzente, acaba por se refinar a ponto de deixar de existir, impessoalizando-se, por assim dizer. A imagem estética na forma dramática é a vida purificada na imaginação humana e dela reprojetada. Cumpre-se o mistério da estética, como o da criação material. O artista, como o Deus da criação, continua dentro ou atrás ou além e acima da sua manufatura, invisível, refinado a ponto de deixar de existir, indiferente, aparando as unhas.

4 comentários:

  1. Caro Antonio Cícero,
    seu texto ilumina a questão do grau de interferência da personalidade do artista na obra de arte, que se aplica a um escritor como Joyce tanto quanto a qualquer outro. Creio que foi Aristóteles que disse que o poeta deve escrever o menos possível "in propria persona". Mas sem a personalidade do artista, sem aquele subjetivismo fundador, não vejo como possa haver obra de arte. A subjetividade é aquela fagulha que dá início ao processo do poema e, não, como disse João Cabral, algo a ser evitado. A subjetividade vai desaparecendo com a repetição da escrita, a reescrita do poema. Bem, isto são apenas algumas reflexões meio soltas sobre poesia e filosofia... Pena que não pudemos nos apresentar em Goiás Velho, há dois ou três anos atrás, porque tive que sair após sua palestra. Grande abraço do colega de ofício,
    Davino Sena

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  2. Caro Davino,

    Obrigado pelas suas considerações. É realmente uma pena que não nos tenhamos podido conhecer em Goiás Velho. Que bom que possamos nos conhecer ao menos através das letras e da Internet.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  3. Aproveito o tema para criticar A questão da subjetividade e sua interferência ou não na obra de arte como é tratada em nosso ensino. É ainda uma seara ao mesmo tempo rica em teorias e pobre no que toca o nosso ensino. Há um grande abismo neste sentido, pois, infelizmente, em nosso país, pouco se lê e muito menos se lida com a lírica. Quando paramos para analisar a questão da subjetividade, do eu-lírico na relação com o mundo e vice-versa encontramos muitos questionamentos salutares a fazer. É uma pena que pouco se problematiza isto em nossas Universidades, ainda, e muito menos no ensino médio, fortalecendo, assim, a cristalização de teorias, pre-conceitos, transformando o que há de mais profundo em pontes para o não pensar.

    Um abraço,
    Tânia Barros

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