25.10.07

Nênia

NÊNIA

A morte nada foi para ele, pois enquanto vivia não havia a morte e, agora que há, ele já não vive. Não temer a morte tornava-lhe a vida mais leve e o poupava de desejar a imortalidade em vão. Sua vida era infinita, não porque se estendesse indefinidamente no tempo mas porque, como um campo visual, não tinha limite. Tal qual outras coisas preciosas, ela não se media pela extensão mas pela intensidade. Louvemos e contemos no número dos felizes os que bem empregaram o parco tempo que a sorte lhes emprestou. Bom não é viver, mas viver bem. Ele viu a luz do dia, teve amigos, trabalhou, amou e floresceu. Às vezes anuviava-se o seu brilho. Às vezes era radiante. Quem pergunta quanto tempo viveu? Viveu e ilumina nossa memória.


De: CICERO, Antonio. A cidade e os livros. Rio de Janeiro: Record, 2002, p.57.

24 comentários:

  1. cicero, a dobra do meu paraíso (rs),

    tenho este poema pregado à minha cortiça de fotos e me lembro que, quando o li, fiz questão de enviá-lo a vááários amigos e não cansava de lê-lo a alguns deles. aquela coisa que vem, meio obsessiva, quando cismo com algo (rs).

    vai de encontro com tudo o que vc tem postado: vamos nos importar com a vida; está nela a nossa única possibilidade de existência (pelo menos até agora comprovada) e é bom, exatamente por isso, que não a percamos de vista. a realidade é tão grande, tão enorme, que não precisamos dela nos afastar.

    vivamos o presente, é nele que encontramos os momentos felizes, se por eles buscarmos e lutarmos.

    (os momentos felizes não estão escondidos nem no passado e nem no futuro.)

    pra vc ver que até o seu canto de tristeza, canto plangente (nênia), me faz feliz quando entoado.

    beijo bom, gracinha!

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  2. Cícero,

    lendo a última série de textos, eu me pergunto: nesta discussão teológica, o politeísmo hoje não passa de uma alternativa literária?

    Um abraço,
    Marcelo Diniz

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  3. Marcelo,

    Desculpe-me por entrar na sua questão sem ser convidado, mas acredito que, do ponto de vista prático, o politeísmo é hoje bem mais do que uma alternativa literária. Diversas religiões politeístas (umbanda, wicca etc) continuam bem vivas, e muitas tem inclusive "renascido". É o caso dos pagãos reconstrucionistas que buscam reviver religiões de tempos passados.
    Se de um ponto de vista teórico o politeísmo é visto como mera ficção, alternativa literária, acho que o fato se deve à grande diferença existente entre as crenças mono- e politeístas, e do próprio conceito de deus, que diverge muito nos dois. Os deuses politeistas gregos, por exemplo, se aproximam mais dos duendes germânicos que do deus cristão.
    Particularmente, vejo os deuses de muitas religiões mais como uma forma emocionalmente rica de relacionamento com a realidade, que como entidades com existencia própria.

    um abraço,
    Lucas Nicolato

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  4. Caro Antônio,

    Entendo o que quer dizer e aceito o seu argumento. É claro que do ponto de vista individual "eu" não existirei mais para me incomodar, mas "eu" não quer que o mundo prossiga sozinho. "Eu" quer poder continuar exercendo sua influência no mundo, quer continuar a valorar o mundo, a criá-lo e recriá-lo em sua percepção. No fundo, "eu", como um amante preterido, não quer aceitar que outra subjetividade (ou nenhuma)possa satisfazer a realidade. Talvez seja um medo irracional, mas ainda assim frequente.

    De um ponto de vista menos racional e mais emocional, talvez a sua letra "Virgem" tenha uma boa resposta (tanto para amantes quanto para morituros).
    "As coisas não precisam de você".

    um abraço,
    Lucas

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  5. Marcelo,

    O que eu acho é que a questão da religião voltou à tona a partir da agressividade crescente de algumas religiões ou seitas proselitistas que tentam negar a separação entre a religião e o Estado e afirmar o caráter absoluto das suas doutrinas. Ora, as mais agressivas religiões proselitistas são o Islã e o Cristianismo, que, ademais, sendo monoteístas, negam os deuses das demais religiões.

    O politeísmo nunca foi proselitista, sempre se conformou à esfera privada ou artística, sempre foi relativista e nunca negou a existência de deus algum. Por isso não está na berlinda.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  6. Caro Cicero, gosto de que li. Lembro um pouco o Paul Celan e algumas coisas. Soube que virá na feira do livro de Porto Alegre. Abraço.

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  7. PREZADO ANTONIO CICERO,

    Esse, na verdade, é o grande tema filosófico -- por isso enveredei para a filosofia, para tentar compreender...HÁ TAMBÉM FALAS EXCELENTES DE MARCO AURÉLIO...MAS É MUITO DIFÍCIL TRAVAR UM DUELO COM A FINITUDE...MAS EU ESTOU COMEÇANDO A COMPREENDER...O PROBLEMA É QUE NA TEORIA É FÁCIL --MAS HÁ UM FOSSO TREMENDO -- HÁ POUCOS DIAS FOMOS SURPREENDIDOS NA ESCOLA, NA QUAL LECIONO, PELA MORTE REPENTINA DE UM COLEGA PROFESSOR DE 50 ANOS - ALIÁS QUE ME DAVA CARONA E FAZIA MIL PROJETOS -- TODOS FICAMOS ATÔNITOS -- POR CAUSA JUSTAMENTE DESSE FOSSO CONCEITUAL DA MORTE EM SI E PER SI...EU MESMO PERDI NESSES ÚLTIMOS DEZ ANOS DOIS TIOS CAÇULAS COM MENOS DE 50, UMA AVÓ, AMIGOS ETC...SUPERAMOS NA MEDIOCRIDADE DO DIA-A-DIA - MAS CALA FUNDO EM NOSSA ANIMA...

    ESTOU COLANDO UM TEXTO QUE ESCREVI NO COMEÇO DO ANO, PARA TENTAR COMPREENDER A IDÉIA DE SAGRADO...

    Por que o homem necessita simbolizar as coisas? Essa pergunta não sou eu só quem faço... Muitos já a fizeram, e Camus também a fez, parece-me, e de maneira bem literária. Criamos aquilo que chamamos de cultura. E isso é bom. Mas é ruim também. Quando criamos cultura, estamos de certo modo, contrariando a physis. Estamos querendo criar uma outra estética que se pretende diferente da que recebemos e mais divina. Naquilo que consideramos como avanço, avançamos;- mas também por outro lado retrocedemos. O problema da simbolização é que ela ganha contornos que fogem ao nosso controle. Perde, quero dizer, a essência primeira de quem a criou. Isso incide de uma certa forma em problemas semânticos. Por que o homem cria a religião, os mitos...? Por que cria forças externas à sua própria força, que a natureza lhe deu? O homem tem medo! Dizem que o homem é o único ser que tem consciência da sua morte, do seu fim, de sua efemeridade... A linguagem muito tem nos ajudado, mas se prestarmos também a atenção, veremos que a linguagem em muito também contribuiu para o desentendimento dos homens. Comemos, evidentemente, melhor. Dormimos melhor. Casamos melhor. Dilatamos mais o período de vida. O problema é saber, por que o homem tem medo? O medo do homem gerou, de uma certa forma, aquilo que chamamos de cultura. Se não fosse o medo, ainda estaríamos comendo uns aos outros, como faziam, parece-me, os tupinambás. Sem o medo não teríamos internet, televisão etc... Mas não teríamos também essa coisa que se chama medo... Como me disse um colega por aí: o medo cria, mas também destrói... Mas a pergunta é: por que tememos o desconhecido? Ah, como seria bom, se pudéssemos ser privados de certos pensamentos... Ser um beija-flor na floresta do medo...

    posted by wilson luques costa @ 5:14 AM

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  8. Cícero,esse lindo poema,foi feito para o seu irmão se não me engano,me fez refletir muito sobre o tempo que gastamos pensando na morte ao invés de pensar na vida,tanto na nossa própria passagem quanto nas dos entes queridos.

    É um dos que eu mais gosto no livro.

    Abraços!

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  9. A morte escava em mim os seus buracos.



    À partida de minha avó,a dor ergueu-se devagar.

    Veio vindo

    vindo

    até se transformar numa cloaca enorme,impreenchível.



    Já com tia Nina,ela surgiu inteira,imediata.

    Cavucou meu peito como se um trator.

    Abriu espaços ocos,horripilantes.



    E concentrou em mim a própria essência do desaparecimento.

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  10. ACicero,
    O monoteísmo não nega o deus das outras religiões, nega apenas que existam mais de um deus. Aliás, com toda razão, pois se existem mais de um deus, então simplesmente não existe deus.
    Abraço,
    edg

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  11. Caro Edson Gil,

    Com a sua declaração, você confirma o que eu disse. Ao negar que exista mais de um deus, você simplesmente nega todos os deuses de todas as religiões politeístas. Com base em que? Do ponto de vista dos politeístas, você os nega com base no dogma monoteísta segundo o qual “se existe mais de um deus, então simplesmente não existe deus”.
    A Bíblia é repleta de exemplos do ciúme do Senhor. Lembro um: Êxodo 34.10-14:
    "10 Então disse o Senhor: Eis que eu faço um pacto; farei diante de todo o teu povo maravilhas quais nunca foram feitas em toda a terra, nem dentro de nação alguma; e todo este povo, no meio do qual estás, verá a obra do Senhor; porque coisa terrível é o que faço contigo.
    11 Guarda o que eu te ordeno hoje: eis que eu lançarei fora de diante de ti os amorreus, os cananeus, os heteus, os perizeus, os heveus e os jebuseus.
    12 Guarda-te de fazeres pacto com os habitantes da terra em que hás de entrar, para que isso não seja por laço no meio de ti.
    13 Mas os seus altares derrubareis, e as suas colunas quebrareis, e os seus aserins cortareis
    14 (porque não adorarás a nenhum outro deus; pois o Senhor, cujo nome é Zeloso, é Deus zeloso)"

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  12. Caro Edson Gil,

    Pensando bem, a citação mais óbvia ainda é a melhor: pelo menos, melhor do que a da postagem anterior. Refiro-me a:

    »ÊXODO [20]
    1 Então falou Deus todas estas palavras, dizendo:
    2 Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.
    3 Não terás outros deuses diante de mim.
    4 Não farás para ti imagem esculpida, nem figura alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra.
    5 Não te encurvarás diante delas, nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.

    Abraço,
    Antonio Cicero

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  13. Caro Cicero,

    Eu não nego nada, quem nega é o monoteísmo, a saber, que possam existir mais de um deus. Mas o politeísmo faz o oposto, negando que exista apenas um. Baseado em quê?

    É claro que se trata de um dogma, afinal estamos falando de religião, não é? Mas do ponto de vista filosófico, metafísico, trata-se de uma tese eminentemente racional. Você devia saber disso mais do que ninguém, pois é a isso que se chega por meio da reflexão apocrítica: a um único princípio.

    Um monoteísta pode muito bem considerar o deus das outras religiões monoteístas como outras versões do mesmo e único deus; pode também considerar os deuses das religiões politeístas como aspectos, propriedades, do único deus; pode até considerar esses deuses como deuses menores, como potestades, e assim por diante.

    Parece que você quer se manter no mesmo nível que o Dawkins, ou seja, da religião segundo a letra e não segundo o espírito.

    Abraço,
    edg

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  14. Caro ACicero,

    Você poderia explicar melhor o que entende por deus e por monoteísmo? Você já escreveu alguma coisa sobre politeísmo nO mundo desde o fim, mas confesso que não entendi direito.

    De certo ponto de vista, a coisa é bem simples: SE deus é um ser onipotente, onisciente, onipresente, sumamente bom, perfeito etc., e sobretudo criador, ENTÃO a crença em mais de um deus é contraditória. Certo?

    Parece-me que para refutar esse argumento, tem-se de partir de outras premissas, p.ex., a de que deus não é um ser perfeito e/ou nem criador etc.

    Mas então estaremos falando de coisas distintas, e eu nada teria a objetar-lhe: cada um deve acreditar no que bem quiser!

    Assim, no que me diz respeito, citações bíblicas de nada ajudam. Aliás em momento algum eu tomei partido desta ou daquela religião em particular.

    Entretanto, concluo com duas observações.

    O cristianismo é um monoteísmo sui generis, quase politeísta. O deus cristão tem a multiplicidade em seu interior e admite, como a maioria das mitologias, a existência de deuses menores, como Lúcifer, p.ex. [Em certo sentido, só o cristianismo místico de um Eckhart, p.ex., é genuinamente monoteísta.]

    Em segundo lugar, todas as grandes religiões, mesmo o hinduísmo, são monoteístas, pois, no fundo, admitem apenas um único princípio. Embora aqui o mais correto seja falar de não-dualismo, em vez de monoteísmo.

    Abraço,
    edg

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  15. Caro Edson Gil,

    A discussão está ficando confusa e vou fazer uma recapitulação. Parece-me que estamos falando de coisas muito distintas.
    Se você ler o meu primeiro comentário a esta postagem, dirigido ao Marcelo Diniz, verá que, ao falar do monoteísmo, estou me referindo, em primeiro lugar, a determinadas religiões positivas, isto é, ao Islã e ao Cristianismo, na medida em que tentam negar a separação entre a religião e o Estado e negar os deuses das demais religiões.
    Você afirmou que “o monoteísmo não nega o deus das outras religiões, nega apenas que existam mais de um deus”, coisa com a qual você concorda, pois acha que “se existem mais de um deus, então simplesmente não existe deus”.
    Chamei então atenção para o fato de que, se você acabara de confirmar o que eu dizia, pois, ao negar que exista mais de um deus, você estava negando todos deuses de todas as religiões politeístas.
    Você então afirmou que não estava negando nada (embora você houvesse concordado com a tese de que não há mais de um deus), mas que o monoteísmo, de fato, nega que possa existir mais de um deus. E disse que: “o politeísmo faz o oposto, negando que exista apenas um. Baseado em que?”
    Não posso crer que você realmente acredite que sejam simétricas a negação monoteísta da existência de muitos deuses, por um lado, e a “negação” politeísta de que haja apenas um Deus, por outro. Pus a palavra “negação” entre aspas neste segundo caso porque os politeístas não têm a menor preocupação de negar a existência de deus nenhum, nem mesmo a dos deuses dos monoteístas. Não passa pela cabeça deles pedir que o monoteísta abandone o seu Deus; eles são até capazes de incorporar o Deus monoteísta no panteão politeísta. A única coisa que não podem permitir é que o monoteísta os impeça de cultuar os seus deuses tradicionais, pois isso seria uma violência. Para os monoteístas, ao contrário, é essencial exigir que os politeístas abandonem os seus deuses tradicionais e passem a cultuar o Deus único. A diferença é óbvia e imensa.
    Dado o que acabo de dizer, a sua pergunta “baseado em que?” deve ser entendida da seguinte maneira: “Baseado em quê o politeísta quer continuar a cultuar os seus deuses tradicionais?” A resposta é: baseado no que quiser. Baseado na tradição, no gosto etc. Que importa?
    Mas o que você quer dizer é que o monoteísmo é mais racional do que o politeísmo. Isso é uma questão a ser discutida. Não há resposta óbvia. Estamos aqui a falar de religiões positivas, e não das religiões purificadas e rarefeitas dos filósofos. Mesmo no nível filosófico, teríamos que levar em conta que a pluralidade valorativa da modernidade já foi considerada como um novo politeísmo por pensadores como Max Weber.
    Mas o que interessa aqui é a religião positiva. Pois bem, o monoteísmo tal como se manifesta na letra da Bíblia, cujo Velho Testamento citei acima, é o que há de mais irracional. O Deus do V.T. é, de fato, como diz Dawkins, “mesquinho, injusto, controlador, vingativo, sanguinário, genocida, misógino, homofóbico, racista, infanticida, pestífero, megalomaníaco, sadomasoquista”...
    Você diz que “um monoteísta pode muito bem considerar o deus das outras religiões monoteístas como outras versões do mesmo e único deus; pode também considerar os deuses das religiões politeístas como aspectos, propriedades, do único deus; pode até considerar esses deuses como deuses menores, como potestates e assim por diante”.
    Pode. Como a Revolução Russa poderia ter tido outra caminho... Historicamente, porém, não foi assim. Não era isso que o Deus do V.T. ordenava que se fizesse com os idólatras. Basta ler a bíblia. E não é preciso lembrar que, na época de maior poder da Igreja, os deuses pagãos foram considerados demônios e seus sacerdotes, tidos por feiticeiros, foram torturados e queimados aos milhares.

    No seu último comentário, você pergunta: “SE deus é um ser onipotente, onisciente, onipresente, sumamente bom, perfeito etc., e sobretudo criador, ENTÃO a crença em mais de um deus é contraditória. Certo?” Certo. SE existe um ser onipotente, ele tem que ser único, pois, se houver outro ser onipotente, então o poder de um limitará o poder do outro e nenhum dos dois será onipotente. Mas não me parece que os politeístas afirmem a onipotência de cada um dos seus deuses; sobretudo, não me parece que crer num deus onipotente seja mais racional do que não crer em tal deus.

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  16. Caro Cláudio,

    Não recebi. Você mandou quando?

    Abraço,
    ACicero

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  17. ACicero,

    Tá explicado. Você tem em mente as religiões positivas, e eu não. Estou mais preocupado com a questão filosófica, metafísica e lógica.

    Entretanto, para se ser monoteísta, não se tem de pertencer a nenhuma religião positiva, muito menos de ser intolerante.

    Quanto ao VT, seria legal você dar uma vista-d'olhos no que diz o René Girard a respeito. Acho a interpretação literal, fundamentalista às avessas, que o Dawkins e você fazem muito superficial, a-histórica. Mas, para mim, isso não é mais importante, como disse acima.

    Do ponto de vista metafísico, o monoteísmo -- ou melhor, o monismo ou o não-dualismo é muito superior ao politeísmo ou a qualquer forma de pluralismo [dualismo, maniqueísmo etc.].

    O pluralismo não resiste à negação negante, à análise apocrítica.

    Abraço,
    edg

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  18. Caro Cicero, tenho ainda duas perguntas. Você diz que tem em mente religiões positivas. Mas só as monoteístas ou também as politeístas. Eu gostaria de saber onde se encontram tais religiões positivas tolerantes, dispostas a incluir deuses estranhos em seu panteão. A segunda pergunta é se você conhece alguma religião que não tenha pretensão à verdade absoluta, portanto, exclusiva. Obrigado e um abraço, edg

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  19. Enquanto os homens aqui nos céus vão brigando por deus; o diabo lá embaixo vai tomando conta da terra.

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  20. Caro Edson Gil,
    As religiões politeístas são, de fato, inteiramente diferente das monoteístas. Falarei da que conheço mais, que é a grega. (1) Os gregos não tinham uma Igreja, não digo universal, mas nem sequer nacional; (2) não tinham uma ortodoxia; (3) não tinham um livro sagrado; (4) receberam, sim, vários deuses estrangeiros em seu panteão. Segundo Heródoto, os gregos receberam dos egípcios os nomes dos deuses, mas “de onde nasceu cada um dos deuses e se sempre existiram todos, e quais eram, e quais os seus aspectos, essas coisas não compreendiam até, por assim dizer, ontem ou anteontem. Pois penso que Homero e Hesíodo nasceram quatrocentos anos antes de mim, e não mais. E eles foram os criadores de uma teogonia para os helenos e deram as denominações e as honras e distribuíram as artes e indicaram os aspectos dos deuses”.
    O egiptólogo Jan Assmann chama de “Mosaische Unterscheidung” a distinção entre o verdadeiro e o falso na religião, entre o verdadeiro Deus e os deuses falsos, a doutrina verdadeira e as doutrinas erradas, a crença e a descrença. A fórmula do monoteísmo, “não há Deus senão Deus”, que é também a fórmula do Jihad, foi introduzida em 1350 a.C. em textos de Echnaton de Amarna e, depois, em textos judaicos, cristãos e islâmicos. Os politeístas jamais tiveram coisa semelhante.
    Antonio Cicero

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  21. Mas, meu caro, eu pensei que você estivesse falando de religiões positivas existentes. Só duas ou três observações: toda religião se apropria de elementos de outras religiões; você tem certeza de que não havia uma hierarquia no panteão grego?; os cultos de mistérios, o pitagorismo etc. são manifestações religiosas, místicas, gregas que não podem sem mais ser consideradas politeístas. Mas a minha questão, como disse, é outra. Para mim, Platão é o grande "iniciado" grego, e ele é claramente monoteísta [idéia do bem], no sentido que me importa, o metafísico. A força do monoteísmo está justamente em nos libertar de toda determinação positiva, empírica, finita etc. Só o absoluto é deus, o resto são deuses menores, ou: tudo, fora o absoluto, é relativo. Você pode ser mais cartesiano que Descartes, mas eu sou mais ciceroniano que você, hehehe... Grande abraço e, mais uma vez, muito obrigado pela atenção e gentileza. edg

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  22. Caro Edson Gil,
    Sim, toda religião se apropria de elementos de outras religiões; mas isso é no seu período de formação. Uma vez estabelecida a sua ortodoxia, as religiões do livro sagrado, em particular as abraâmicas, fazem de tudo para se fechar, o que não ocorre com as religiões politeístas, que não têm ortodoxia.
    Sim, havia hierarquia no Panteão grego: por exemplo, ninguém ignora que Zeus era o rei dos deuses.
    Os cultos de mistérios, como os órficos, eram perfeitamente integrados ao politeísmo.
    Pitágoras e Parmênides já estão, de fato, no caminho monoteísta, mas são filósofos, falam ou escrevem para os poucos, não conseguem (e talvez nem queiram) fundar religiões.
    Sim, Platão tende ao monoteísmo e o neo-platonismo foi uma das fontes das teologias monoteístas.
    Mas isso não invalida o que eu disse do politeísmo grego. Os deuses politeístas são relativos e eu mesmo afirmei que essas religiões são relativistas.
    Abraço,
    Antonio Cicero

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