29.9.19

Christovam de Chevalier: "Horizonte"




Horizonte


Eu vi o mar calar
quando tudo berrava ao redor.

Eu vi o mar serenar
tudo o que em mim era dor.

Eu vi o mar
com olhos baços de amor.





CHEVALIER, Christovam de. "Horizonte". In:_____. Marulhos, outros barulhos a alguns silêncios. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2019.

27.9.19

Encontro com Dominique Boyer e David Jobert


O encontro com Dominique Boyer e David Jobert, terá lugar na próxima segunda-feira, às 19h30, na Aliança Francesa de Botafogo, que fica à rua Muniz Barreto 730.



24.9.19

Luis Miguel Nava: "O azul do mar"




O azul do mar

O azul do mar desprende-se da água.
Dos ossos que cravei na realidade, onde pensava
que o mar se sustivesse e da qual sempre
supus também que o mar alimentasse (de tal forma
por vezes o sentimos
encher-se de realismo), nem um só, mesmo pintado,
subsiste agora
que o tempo tudo apaga à minha volta.




NAVA, Luís Miguel. "O azul do mar". In:_____. "O céu sob as entranhas". In:_____. Poesia completa. Org. por Gastão Cruz. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

22.9.19

Adonis: "Árvore do dia e da noite": trad. por Michel Sleiman





Árvore do dia e da noite

Antes que o dia venha chego
antes que se pergunte pelo sol ilumino
árvores vêm correndo atrás de mim
andam à minha sombra cálices de flor
e o delírio em meu rosto ergue
ilhas e penhascos de silêncio cujas portas a palavra desconhece
se ilumina a noite amiga e se esquecem
no meu leito os dias,

depois, quando as fontes rolarem no meu peito
desabotoarem as vestes e dormirem
acordarei a água e os espelhos, e reluzirei
como eles, a lâmina das visões

então eu durmo.





ADONIS. "Árvore do dia e da noite". In:_____. Adonis [poemas]. Org. e trad. por Michel Sleiman. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

20.9.19

Arthur Nogueira canta "Consegui"



Arthur Nogueira canta, em show, a canção "Consegui", parceria dele comigo.
                                                                                               Antonio Cicero


17.9.19

Carlos Cardoso: "O passado"




O passado

Passadas as horas ficou o passado
e o vago que é a lagoa Rodrigo de Freitas
e seus peixes mortos a boiarem.

É nele que me fixo.

O passado é fonte de riqueza
é nele que busco o saber
é nele que encontro o que busco,

o passado é mais hoje que o presente
que quando ausente
é no passado que eu volto.

O futuro que vejo é refém do passado que eu sei,

como uma couve que brota do seu broto
como uma árvore que um dia foi semente,

o passado é melancolia,
e de repente

isso é tudo o que eu queria.





CARDOSO, Carlos."O passado". In:_____. Melancolia. Rio de Janeiro: Record, 2019.

15.9.19

Antero de Quental: "Sepultura romântica"




Sepultura romântica

Ali, onde o mar quebra, num cachão
Rugidor e monótono, e os ventos
Erguem pelo areal os seus lamentos,
Ali se há-de enterrar meu coração.

Queimem-no os sóis da adusta solidão
Na fornalha do estio, em dias lentos;
Depois, no Inverno, os sopros violentos
Lhe revolvam em torno o árido chão…

Até que se desfaça e, já tornado
Em impalpável pó, seja levado
Nos turbilhões que o vento levantar…

Com suas lutas, seu cans ado anseio,
Seu louco amor, dissolva-se no seio
Desse infecundo desse amargo mar!”






QUENTAL, Antero de. "Sepultura romântica". In: GULLAR, Ferreira (org. e trad.). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2014.


12.9.19

Georg Trakl: "Die Sonne" / "O sol": trad. de João Barrento




O sol

Diariamente, o sol amarelo vem por cima do monte.
Bela é a floresta, o animal sombrio,
O homem: caçador ou pastor.

Fulvo, emerge o peixe no lago verde.
Sob  a curva do céu
Desliza levemente o pescador no barco azul.

Lentamente, amadurece a uva, o trigo.
Quando, no silêncio, declina o dia,
Obras boas e más estão preparadas.

Quando chega a noite
O viajante ergue levemente as pesadas pálpebras;
De sombrio abismo jorra sol.





Die Sonne

Täglich kommt die gelbe Sonne über den Hügel.
Schön ist der Wald, das dunkle Tier,
Der Mensch; Jäger oder Hirt.

Rötlich steigt im grünen Weiher der Fisch.
Unter dem runden Himmel
Fährt der Fischer leise im blauen Kahn.

Langsam reift die Traube, das Korn.
Wenn sich stille der Tag neigt,
Ist ein Gutes und Böses bereitet.

Wenn es Nacht wird,
Hebt der Wanderer leise die schweren Lider;
Sonne aus finsterer Schlucht bricht.






TRAKL, Georg. "Die Sonne" / "O sol". In: BARRENTO, João (seleção e tradução). A alma e o caos: 100 poemas expressionistas. Lisboa: Relógio D'Água Editores, 2001.


9.9.19

Diego Mendes Sousa: "Ser do mar"




Ser dor mar

Cosmonave de um coração costeiro
que navega na preamar da dor
na maré do amor
no mar do ser
meu alterego
a dor-mar
a domar
os sargaços
de um sal salgado
de um sol solstício
de uma lua lunática
que passa na alma
de enseada

Meu coração aberto
nas praias do sonho
litoral de aberturas
ao mundo





SOUSA, Diego Mendes. "Ser dor mar". In:_____. "Opus II: Coração Costeiro". In:_____.  Velas náufragas. Guaratinguetá, SP.: Penalux, 2019.

7.9.19

Jacques Prévert: "Le discours sur la paix" / "Discurso sobre a paz": trad. de Silviano Santiago




Discurso sobre a paz

Já no final de um discurso extremamente importante
o grande homem de Estado engasgando
com uma bela frase oca
escorrega
e desamparado com a boca escancarada
sem fôlego
mostra os dentes
e a cárie dentária dos seus pacíficos raciocínios
deixa exposto o nervo da guerra:
a delicada questão do dinheiro.






Le discours sur la paix

Vers la fin d'un discours extrêmement important
le grand homme d'Etat trébuchant
sur une belle phrase creuse
tombe dedans
et désemparé la bouche grande ouverte
haletant
montre les dents
et la carie dentaire de ses pacifiques raisonnements
met à vif le nerf de la guerre
la délicate question d'argent.




PRÉVERT, Jacques. "Le discours sur la paix" / "Discurso sobre a paz". In:_____. Poemas. Seleção e tradução por Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

5.9.19

Adriano Nunes: "Melhor um poema"

Agradeço a Adriano Nunes por me ter dedicado o seguinte, belo poema:



Melhor um poema

                         para Antonio Cicero


Melhor um poema
Do que prisões, penas,
Pedras e problemas.
Melhor um poema

Do que algum dilema,
Propósito. Apenas
Em ser sol se antena.
Melhor um poema!

Que a querela extrema
Política, em cena,
Que se concatena,
Melhor um poema!

Do que algoz algema,
Do que vãs sistemas,
Do que a práxis plena...
Melhor? Um poema!

Eis que nos acena
O poema: gema
Raríssima! Apenas
Em ser é, se esquema.






3.9.19

Giuseppe Ungaretti: "Se tu mio fratello" / "Se tu, meu irmão": trad. por Geraldo Holanda Cavalcanti




Se tu, meu irmão


Se, vivo, regressasses ao meu encontro,
Com a mão estendida,
Poderia ainda,
No elã de esquecer, apertá-la,
Irmão.

Mas de ti, de ti já nada me envolve
Senão sonhos, vislumbres,
O fogo sem foco do passado.

A memória não me traz senão imagens
E para mim mesmo, eu mesmo
Já não sou mais
Que o vazio nada de meu pensamento.






Se tu mio fratello


Se tu mi rivenissi incontro vivo,
Con la mano tesa,
Ancora potrei,
Di nuovo in uno slancio d'oblio, stringere,
Fratello, una mano.

Ma di te, di te più non mi circondano
Che sogni, barlumi,
I fuochi senza fuoco del passato.

La memoria non svolge che le immagini
E a me stesso, io stesso
Non sono già più
Che l'annientante nulla del pensiero.






UNGARETTI, Giuseppe. "Se tu mio fratello" / "Se tu, meu irmão". In:_____. Poemas. Seleção e traduções por Geraldo Holanda Cavalcanti. São Paulo: Edusp, 2017. 


1.9.19

Antonio Carlos Secchin: "Soneto veloz"




Soneto veloz

O poema sai correndo à minha frente,
desse jeito jamais vou segurá-lo.
Fingia estar aqui, mas de repente
se intrometeu no trote de um cavalo.

Na estrofe dois passou em disparada.
No espaço esvaziado eu arremeto
inútil rede, a recolher o nada:
o poema escapuliu deste quarteto.

Consigo enfim laçá-lo, ele se faz
inteiro e hostil, à minha revelia.
E se revela, súbito, capaz

de me livrar do laço que o prendia.
Livres nós dois, agora ele já fala
na voz que nasce quando o autor se cala.





SECCHIN, Antonio Carlos. "Soneto veloz". In:_____. Desdizer e antes. Rio de Janeiro: Topbooks, 2017.