29.11.15

Federico Garcia Lorca: "Soneto de la dulce queja" / "Soneto da doce queixa": trad. de José Bento




Soneto de la dulce queja

Tengo miedo a perder la maravilla
de tus ojos de estatua y el acento
que de noche me pone en la mejilla
la solitaria rosa de tu aliento.

Tengo pena de ser en esta orilla
tronco sin ramas; y lo que más siento
es no tener la flor, pulpa o arcilla,
para el gusano de mi sufrimiento.

Si tú eres el tesoro oculto mío,
si eres mi cruz y mi dolor mojado,
si soy el perro de tu señorío,

no me dejes perder lo que he ganado
y decora las aguas de tu río
con hojas de mi otoño enajenado.



Soneto da doce queixa

Assusta-me perder a maravilha
de teus olhos de estátua e o acento
que pela noite a face me polvilha
a erma rosa que há no teu alento.

Tenho pena de ser sobre esta orilha
tronco sem ramos, e a dor que sustento
é não ter eu a flor, polpa ou argila
pró verme de meu próprio sofrimento

se és meu tesouro oculto, que sitio,
se és minha cruz e meu sofrer molhado
e eu o cão preso de teu senhorio,

não me deixes perder o que me é dado:
vem decorar as águas do teu rio
com folhas de meu outono perturbado.




LORCA, Federico Garcia. "Soneto de la dulce queja"/"Soneto da doce queixa". In:_____. Antologia poética. Trad. de José Bento. Lisboa: Relógio d'Água, 1993.


27.11.15

Dado Amaral: "quando vê o ipê florido"




quando vê o ipê florido
acontece do poeta
pensar com o corpo

é que a carne pesa
e o músculo manifesta
seu querer ser flor
aflorar, florescer
deflorar o dia

revelar-se
na flor insólita
do poema



AMARAL, Dado. "quando vê o ipê florido". In:_____. Poeria. Rio de Janeiro: Mundo das Ideias, 2012.

23.11.15

Manuel Alegre: "As facas"





As facas

Quatro letras nos matam quatro facas
que no corpo me gravam o teu nome.
Quatro facas amor com que me matas
sem que eu mate esta sede e esta fome.

Este amor é de guerra. (De arma branca).
Amando ataco amando contra-atacas
este amor é de sangue que não estanca.
Quatro letras nos matam quatro facas.

Armado estou de amor. E desarmado.
Morro assaltando morro se me assaltas.
E em cada assalto sou assassinado.

Quatro letras amor com que me matas.
E as facas ferem mais quando me faltas.
Quatro letras nos matam quatro facas.



ALEGRE, Manuel. "As facas". In:_____. Coisa amar (coisas do mar). Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1976

19.11.15

Olavo Bilac: "Nel mezzo del camin..."





Nel mezzo del camin...

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E alma de sonhos povoada eu tinha...

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje segues de novo... Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.




BILAC, Olavo. "Nel mezzo del camin...". In: BARBOSA, Frederico (org.). Cinco séculos de poesia. Antologia da poesia clássica brasileira. São Paulo: Landy, 2003.

17.11.15

Sétima Bienal Internacional do Livro de Alagoas



Dia 22 de novembro (domingo), às 18h, estarei participando da Sétima Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no Espaço Sesc Auditório Ipioca (1º andar). Farei parte da mesa redonda “Poesia e Urbanidade”, com o poeta e tradutor Adriano Nunes - Poeta /AL e o poeta e professor Tainan Costa/AL.

Aguardo os amigos nesse encontro literário!

Antonio Cicero

16.11.15

Federico Garcia Lorca: "Cantos nuevos" / "Cantos novos": trad. William Agel de Melo





Cantos novos

Agosto de 1920
(Vega de Zujaira)

Diz a tarde: "Tenho sede de sombra!"
Diz a lua: "Eu, sede de luzeiros."
A fonte cristalina pede lábios
e suspira o vento.

Eu tenho sede de aromas e de sorrisos,
sede de cantares novos
sem luas e sem lírios,
e sem amores mortos.

Um cantar de manhã que estremeça
os remansos quietos
do porvir. E encha de esperança
suas ondas e seus lodaçais.

Um cantar luminoso e repousado
cheio de pensamento,
virginal de tristezas e de angústias
e virginal de sonhos.

Cantar sem carne lírica que encha
de risos o silêncio
(um bando de pombas cegas
lançadas ao mistério).

Cantar que vá à alma das coisas
e à alma dos ventos
e que descanse por fim na alegria
do coração eterno.



Cantos nuevos

Agosto de 1920
(Vega de Zujaira)

Dice la tarde: "¡Tengo sed de sombra!"
Dice la luna: "¡Yo, sed de luceros!"
La fuente cristalina pide labios
y suspira el viento.

Yo tengo sed de aromas y de risas,
sed de cantares nuevos
sin lunas y sin lirios,
y sin amores muertos.

Un cantar de mañana que estremezca
a los remansos quietos
del porvenir. Y llene de esperanza
sus ondas y sus cienos.

Un cantar luminoso y reposado
pleno de pensamiento,
virginal de tristezas y de angustias
y virginal de ensueños.

Cantar sin carne lírica que llene
de risas el silencio
(una bandada de palomas ciegas
lanzadas al misterio).

Cantar que vaya al alma de las cosas
y al alma de los vientos
y que descanse al fin en la alegría
del corazón eterno.




GARCIA LORCA, Federico. "Cantos nuevos" / "Cantos novos". In:_____. "Libro de poemas (1921)" ; "Livro de poemas".. In:_____. Obra poética completa. Tradução de William Agel de Melo. Brasília: Editora U. de Brasília; São Paulo: Martins Fontes, 1989.

14.11.15

PÁGINA DO FACEBOOK FALSAMENTE ATRIBUÍDA A MIM, ANTONIO CICERO




Aviso aos amigos que não é minha, nem é feita com minha autorização a página do Facebook intitulada "Na cidade frenética [...]", cujo endereço é
https://www.facebook.com/AntonioCiceroCorreiaLima/info/?tab=page_info.
Não tenho nada a ver com essa página.

Antonio Cicero

13.11.15

João Bandeira: poema "Existir existiram" lido por Antonio Cicero










Existir existiram
imagino
em toda a história
seres assim
outras a quem
eu também
me dedicaria
admito

mas na falta de mais
exatos registros
preto no branco é isso:

embora há tempos
transformada em harpia
depois do advento
da fotografia ao menos
para um menino
nenhuma houve ainda
tão linda e quente
como Brigitte



BANDEIRA, João. "Existir existiram". In:_____. Quem quando queira. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

11.11.15

Giuseppe Ungaretti: "Eterno": trad. Geraldo Holanda Cavalcanti




Eterno

Entre uma flor colhida e outra ofertada
o inexprimível nada



Eterno

Tra un fiore colto e l'altro donato
l'inesprimibile nulla



UNGARETTI, Giuseppe. "Eterno". In:_____. A alegria. Edição bilíngue. Tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti. Rio de Janeiro: Record, 2003.







8.11.15

Jorge Salomão: "luz da manhã"





luz da manhã
você abrindo a porta
depois da noite morta
tudo é flor
meu Rio maio cor
acende rápido
um beijo em pleno asfalto
se abre em rios
luz da manhã
caminho 
ruas vazias
na varanda filtra o sol
alegria!
outra paixão
linda luz
entre mistérios
decifra-me ou devoro-te
nova canção
na luz da manhã




SALOMÃO, Jorge. "luz da manhã". In:_____. Mosaical. Rio de Janeiro: Gryphus, 1994.

7.11.15

Bertolt Brecht: "Der Lernende" / "O aprendiz": trad. Wira Selanski




O aprendiz

Primeiro construí na areia, depois na rocha,
Quando a rocha ruiu,
Não construí mais nada.
Depois construí muitas vezes de novo
Ora na areia, ora na rocha, porém
Eu aprendi.

Aqueles a quem confiei a carta
Jogaram-na fora. Os outros, que nem notei,
A mim a trouxeram de volta.
Então aprendi.

O que eu mandei fazer não foi realizado,
Mas quando cheguei ao lugar
Vi que seria errado. O certo
Foi feito.
Disso eu aprendi.

As cicatrizes doem
No tempo frio.
Mas eu digo sempre: só o túmulo
Não me ensina mais nada.




Der Lernende

Erst baute ich auf Sand, dann baute ich auf Felsen.
Als der Felsen einstürzte
Baute ich auf nichts mehr.
Dann baute ich oftmals wieder
Auf Sand und Felsen, wie es kam, aber
Ich hatte gelernt.

Denen ich den Brief anvertraute
Die warfen ihn weg. Aber die ich nicht beachtete
Brachten ihn mir zurück.
Da habe ich gelernt.

Was ich auftrug, wurde nicht ausgerichtet.
Als ich hinkam, sah ich
Es war falsch gewesen. Das Richtige
War gemacht worden.
Davon habe ich gelernt.

Die Narben schmerzen
In der kalten Zeit.
Aber ich sage oft: nur das Grab
Lehrt mich nichts mehr.





BRECHT, Bertolt. "Der Lernende"/"O aprendiz". Trad. de Wira Selanski. In: SELANSKI, Wira (org.). Fonte: Antologia da lírica alemã. Rio de Janeiro: Editora Velha Lapa, 1999.

3.11.15

Abel Silva: "Relógio de pulso"




Relógio de pulso

O tempo me expõe suas teias
mas não num relógio de pulso
o tempo me pulsa nas veias.



SILVA, Abel. "Relógio de pulso". In:_____. O gosto dos dias. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.