30.4.15
Victor Colonna: "Infância"
Infância
Houve um tempo de escola
E cócegas.
Onde nem tudo era bom,
Mas tudo era ou bom
Ou mau,
Sem meios-termos.
Feliz eu não era.
Desde pequeno
Eu nunca soube ser criança.
COLONNA, Victor. "Infância". In:_____. Cabeça, tronco e versos. Rio de Janeiro: Editora da Palavra, 2009.
27.4.15
Ian Hamilton: "Last respects" / "Tributo final"
Tributo final
A tua respiração desalinha levemente
Uma só fiada de pétalas
Quando te inclinas para ele. Os teus dedos,
No ar, por cima do seu rosto,
São elegantes, perplexos. Pairam
Sobre a sua boca fria
Mas não lhe tocam; no fumo das velas
Vogam tênues sombras até ao seu cabelo.
O teu gesto amigável
Derrama mais pétalas:
Um pânico colorido.
Last respects
Your breathing slightly disarrays
A single row of petals
as you lean over him. Your fingers,
In the air, above his face,
Are elegant, perplexed. They pause
At his cold mouth
But won’t touch down; thin shadows drift
On candle smoke into his hair.
Your friendly touch
Brings down more petals:
A colourful panic.
HAMILTON, Ian. "Last respects" / "Tributo final". In:_____. Fifty poems / Cinquenta poemas. Trad. de Nuno Vidal. Lisboa: Cotovia, 1995.
24.4.15
Nelson Ascher: "Manhã"
Manhã
"A periphrastic study in a
worn-out poetical fashion"
T.S. Eliot, "East Coker"
Tomado que eu estava pelo
trabalho a contragosto,
não sei se me causava mais
prazer ou mais desgosto
o raio que arranhava, arisco
que nem gato, o meu rosto.
Obsesso que eu estava em meio
do que fora posposto,
não sei o que me parecia
--mais anjo ou mais encosto--
o raio com que se irritava,
alérgico, o meu rosto.
Imerso que eu estava, menos
no breu que num aposto,
não sei se vinha da manhã
ou viera do sol posto,
o raio -- inseto que picava
com seu ferrão meu rosto.
Absorto que eu estava neste
período composto,
não sei nem se era já vinagre
ou era ainda mosto,
o raio tinto que a janela
filtrava no meu rosto.
E, exausto que eu estava deste
afã de que não gosto,
só sei que, dissolvendo o estado
acima em seu oposto,
o raio frio umedecera
como suor meu rosto.
ASCHER, Nelson. "Manhã". In:_____. Algo de sol. São Paulo: Ed.34, 1996.
21.4.15
Charles Baudelaire: "La muse vénale" / "A musa venal": trad. de Ivan Junqueira
VIII - A musa venal
Ó musa de minha alma, amante dos palácios,
Terás, quando janeiro desatar seus ventos,
No tédio negro dos crepúsculos nevoentos,
Uma brasa que esquente os teus dois pés violáceos?
Aquecerás teus níveos ombros sonolentos
Na luz noturna que os postigos deixam coar?
Sem um níquel na bolsa e seco o paladar,
Colherás o ouro dos cerúleos firmamentos?
Tens que, para ganhar o pão de cada dia,
Esse turíbulo agitar na sacristia,
Entoar esses Te Deum que nada têm de novo,
Ou, bufão em jejum, exibir teus encantos
E teu riso molhado de invisíveis prantos
Para desopilar o fígado do povo.
VIII. - La muse vénale
O muse de mon coeur, amante des palais,
Auras-tu, quand Janvier lâchera ses Borées,
Durant les noirs ennuis des neigeuses soirées,
Un tison pour chauffer tes deux pieds violets?
Ranimeras-tu donc tes épaules marbrées
Aux nocturnes rayons qui percent les volets?
Sentant ta bourse à sec autant que ton palais,
Récolteras-tu l'or des voûtes azurées?
Il te faut, pour gagner ton pain de chaque soir,
Comme un enfant de choeur, jouer de l'encensoir,
Chanter des Te Deum auxquels tu ne crois guère,
Ou, saltimbanque à jeun, étaler tes appas
Et ton rire trempé de pleurs qu'on ne voit pas,
Pour faire épanouir la rate du vulgaire.
BAUDELAIRE, Charles. "La muse vénale" / "A musa venal". In:_____. As flores do mal. Trad. de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
19.4.15
Jaime Gil de Biedma: "La novela de un joven pobre" / "A novela de um jovem pobre": trad. de José Bento
O romance de um rapaz pobre
Chamava-se Pacífico,
Pacífico Ricaport,
de Santa Rita em Pampanga,
no centro de Luzón,
e ainda lhe restava
leve sotaque pampanguense
quando se impacientava
e nos momentos ternos,
precisamente ao recordar,
compadecido de si mesmo,
nos seus anos da capital,
sua infância camponesa,
nas noites de trabalho
— para cá do bem, do mal —
de tantos balcões de bares
da rua de Isaac Peral,
porque era pobre e tão sensível,
e bonito também, o que é pior,
sobretudo nestes países
sem industrialização,
e eram vagos seus recursos
tanto como as suas histórias,
e suas ditas e desditas
e suas chamadas telefónicas.
Quantas noites a suspirar
num local já tão vazio,
veio sentar-se junto a mim
e lhe ofereci um cigarrito.
Nessas horas miseráveis
em que nos fazem companhia
até as nódoas do nosso fato,
conversávamos da vida
e o pobre lamentava-se
do que faziam já com ele:
«Têm-me corrido a pontapés
de tantos quartos de hotel...»
Onde terás ido parar,
Pacífico, meu velho amigo,
hoje três anos mais velho?
Deves ter vinte e cinco.
La novela de un joven pobre
Se llamaba Pacífico,
Pacífico Ricaport,
de Santa Rita en Pampanga,
en el centro de Luzón,
y todavía le quedaba
un ligero acento pampangueño
cuando se impacientaba
y en los momentos tiernos,
precisamente al recordar,
compadecido de sí mismo,
desde sus años de capital
su infancia de campesino,
en las noches laborables
— más acá del bien y del mal —
de las barras de los bares
de la calle de Isaac Peral,
porque era pobre y muy sensible,
y guapo además, que es peor,
sobre todo en los países
sin industralización,
y eran vagos sus medios de vida
lo mismo que sus historias,
que sus dichas y desdichas
y sus llamadas telefónicas.
Cuántas noches suspirando
en el local ya vacío,
vino a sentarse a mi lado,
y le ofrecí un cigarrillo.
En esas horas miserables
en que nos hacen compañía
hasta las manchas de nuestro traje,
hablábamos de la vida
y el pobre se lamentaba
de lo que hacían con él:
«Me han echado a patadas
de tantos cuartos de hotel...»
Adónde habrás ido a parar,
Pacífico, viejo amigo,
tres años más viejo ya?
Debes tener veinticinco.
Se llamaba Pacífico,
Pacífico Ricaport,
de Santa Rita en Pampanga,
en el centro de Luzón,
y todavía le quedaba
un ligero acento pampangueño
cuando se impacientaba
y en los momentos tiernos,
precisamente al recordar,
compadecido de sí mismo,
desde sus años de capital
su infancia de campesino,
en las noches laborables
— más acá del bien y del mal —
de las barras de los bares
de la calle de Isaac Peral,
porque era pobre y muy sensible,
y guapo además, que es peor,
sobre todo en los países
sin industralización,
y eran vagos sus medios de vida
lo mismo que sus historias,
que sus dichas y desdichas
y sus llamadas telefónicas.
Cuántas noches suspirando
en el local ya vacío,
vino a sentarse a mi lado,
y le ofrecí un cigarrillo.
En esas horas miserables
en que nos hacen compañía
hasta las manchas de nuestro traje,
hablábamos de la vida
y el pobre se lamentaba
de lo que hacían con él:
«Me han echado a patadas
de tantos cuartos de hotel...»
Adónde habrás ido a parar,
Pacífico, viejo amigo,
tres años más viejo ya?
Debes tener veinticinco.
BIEDMA, Jaime Gil de. Antologia poética. Edição bilíngue. Trad. de José Bento. Lisboa: Cotovia, 2003.
17.4.15
Eucanaã Ferraz: "Escuta"
Visão
Seria fácil comparar as araucárias a candelabros.
Mas eu digo que elas se parecem com aquele rapaz
que, braços, cabelos, surgiu devagar
sob a luz de junho, úmida de orvalho.
Veio em minha direção.
E trazia o horizonte
nos seus ombros largos.
FERRAZ, Eucanaã. "Visão". In:_____. Escuta. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
15.4.15
Nicanor Parra: "Cambios de nombre" / "Mudanças de nome": trad. de Joana Barossi
Mudanças de nome
Aos amantes das belas letras
Dirijo meus melhores desejos
Vou mudar o nome de algumas coisas.
Minha posição é esta:
O poeta não cumpre sua palavra
Se não muda o nome das coisas.
Por que motivo o sol
Continuará chamando-se sol?
Peço que chame Micifuz
Aquele das botas de quarenta léguas!
Meus sapatos parecem ataúdes?
Saibam que de hoje em diante
Os sapatos se chamam ataúdes.
Comuniquem, anotem e publiquem
Que os sapatos mudaram de nome:
De agora em adiante se chamam ataúdes.
Bom, a noite é longa
Todo poeta que se preza
Deve ter seu próprio dicionário
E antes que eu esqueça
Até o nome de deus é preciso mudar
Que cada um o chame como quiser:
Esse é um problema pessoal.
Cambios de nombre
A los amantes de las bellas letras
Hago llegar mis mejores deseos
Voy a cambiar de nombre a algunas cosas.
Mi posición es ésta:
El poeta no cumple su palabra
Si no cambia los nombres de las cosas.
¿Con qué razón el sol
Ha de seguir llamándose sol?
¡Pido que se llame Micifuz
El de las botas de cuarenta leguas!
¿Mis zapatos parecen ataúdes?
Sepan que desde hoy en adelante
Los zapatos se llaman ataúdes.
Comuníquese, anótese y publíquese
Que los zapatos han cambiado de nombre:
Desde ahora se llaman ataúdes.
Bueno, la noche es larga
Todo poeta que se estime a sí mismo
Debe tener su propio diccionario
Y antes que se me olvide
Al propio dios hay que cambiarle nombre
Que cada cual lo llame como quiera:
Ese es un problema personal.
PARRA, Nicanor. "Cambios de nombre" / "Mudanças de nome". Trad. de Joana Barossi. In: Cândido. Publicação da Biblioteca Pública do Paraná. Curitiba, Março de 2015, nº 44.
13.4.15
Frederico Barbosa: "As cidades e seus donos"
As cidades e seus donos
há cidades desconfiadas
impessoais misteriosas
recife são paulo
em que se mora por empréstimo
de aluguel de passagem
sem se sentir dono
como inquilino temporário
mas que ninguém tem
há cidades que por mistério
se entregam por inteiro
salvador rio de janeiro
em que cada morador
é proprietário verdadeiro
em que todo o povo
sente-se e afirma-se dono
em todo gesto no menor jeito
BARBOSA, Frederico. "As cidades e seus donos". In:_____. Na lata. Poesia reunida 1978-2013. São Paulo: Iluminuras, 2013.
11.4.15
Djalal ad-Din Rumi: "Sentados no palácio duas figuras" / trad. de Marco Luccesi
Djalal ad-Din Rumi
Sentados no palácio duas figuras,
são dois seres, uma alma, tu e eu.
Um canto radioso move os pássaros
quando entramos no jardim, tu e eu!
Os astros já não dançam e contemplam
a lua que formamos, tu e eu!
Entrelaçados no amor, sem tu nem eu,
livres de palavras vãs, tu e eu!
Bebem as aves do céu a água doce
de nosso amor, e rimos tu e eu!
Estranha maravilha estarmos juntos:
estou no Iraque e estás no Khorasan.
RUMI, Djalal ad-Din. "Sentados no palácio duas figuras". Trad. de Marco Lucchesi. In: LUCCHESI, Marco. Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Record, 2000.
8.4.15
Jorge Carrera Andrade: "Morada terrestre": trad. Manuel Bandeira
Morada terrestre
Habito um castelo de cartas,
Uma casa de areia, um edifício no ar,
E passo os minutos esperando
O desmoronamento do muro, a chegada do raio,
O correio celeste com a última notícia,
A sentença que voa numa vespa,
A ordem como um látego de sangue
Dispersando ao vento uma cinza de anjos.
Então perderei minha morada terrestre
E me encontrarei nu novamente.
Os peixes, os astros,
Remontarão o curso de seus céus inversos.
Tudo que é cor, pássaro ou nome,
Volverá a ser apenas um punhado de noite,
E sobre os despojos de cifras e plumas
E o corpo do amor, feito de fruta e música,
Baixará por fim, como o sonho ou a sombra,
O pó sem memória.
ANDRADE, Jorge Carrera. "Morada terrestre". Trad. de Manuel Bandeira. In: BANDEIRA, Manuel. "Poemas traduzidos". In:_____. Estrela da vida inteira.Rio de Janeiro: José Olympio, 1966.
Morada terrestre
Habito un edificio de naipes,
Una casa de arena, un castillo en el aire
Y paso los minutos esperando
El derrumbe del muro, la llegada del rayo,
El correo celeste con la final noticia,
La sentencia que vuela en una avispa,
La orden como un látigo de sangre
Dispersando en el viento una ceniza de ángeles.
Entonces perderé mi morada terrestre
Y me hallaré desnudo nuevamente.
Los peces, los luceros
Remontarán el curso de sus inversos cielos.
Todo lo que es color, pájaro o nombre
Volverá a ser apenas un puñado de noche,
Y sobre los despojos de cifras y de plumas
Y el cuerpo del amor, hecho de fruta y música,
Descenderá por fin, como el sueño o la sombra,
El polvo sin memoria.
ANDRADE, Jorge Carrera. "Morada terrestre". In:_____. Antologia de la poesia cosmica de Jorge Carrera Andrade. Org. de Fredo Arias de la Canal. México: Frente de Armación Hispanista, 2003.
6.4.15
Arthur Rimbaud: "Chanson de la plus haute tour" / "Canção da torre mais alta": trad. de Claudio Daniel
Canção da torre mais alta
Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora.
Eu disse a mim: cessa,
Que eu não te veja:
Nenhuma promessa
De rara beleza.
E vá sem martírio
Ao doce exílio.
Foi tão longa a espera
Que eu não olvido.
O terror, fera,
Aos céus dedico.
E uma sede estranha
Corrói-me as entranhas.
Assim os Prados
Vastos, floridos
De mirra e nardo
Vão esquecidos
Na viagem tosca
De cem feias moscas.
Ah! A viuvagem
Sem quem as ame
Só têm a imagem
Da Notre-Dame!
Será a prece pia
À Virgem Maria?
Ociosa juventude
De tudo pervertida
Por minha virtude
Eu perdi a vida.
Ah! Que venha a hora
Que as almas enamora!
Trad. de Claudio Daniel
Chanson de la plus haute tour
Oisive jeunesse
À tout asservie,
Par délicatesse
J'ai perdu ma vie.
Ah! que le temps vienne
Où les cœurs s'éprennent.
Je me suis dit : laisse,
Et qu'on ne te voie :
Et sans la promesse
De plus hautes joies.
Que rien ne t'arrête
Auguste retraite.
J'ai tant fait patience
Qu'à jamais j'oublie;
Craintes et souffrances
Aux cieux sont parties.
Et la soif malsaine
Obscurcit mes veines.
Ainsi la Prairie
À l'oubli livrée,
Grandie, et fleurie
D'encens et d'ivraies,
Au bourdon farouche
De cent sales mouches.
Ah! Mille veuvages
De la si pauvre âme
Qui n'a que l'image
De la Notre-Dame!
Est-ce que l'on prie
La Vierge Marie ?
Oisive jeunesse
À tout asservie,
Par délicatesse
J'ai perdu ma vie.
Ah! que le temps vienne
Où les cœurs s'éprennent.
RIMBAUD, Arthur. "Chanson de la plus haute tour". In: RIMBAUD, Arthur; CROS, Charles; CORBIÈRE, Tristan; LAUTRÉAMONT. Oeuvres poétiques complètes. Paris: Robert Laffont, 1980.
4.4.15
Luis Cernuda: "Ofrenda" / "Oferenda": trad. Antonio Cicero
Ofrenda
Para que los dioses te fueran
Propicios, más de una guirnalda,
Romero, mirto, mejorana,
Les has tejido en primavera.
Cuando el invierno venga, ¿dónde
Tu mano ha de encontrar las hojas,
Tus ojos una luz sin sombras,
Tu amor su forma en cuerpo joven?
Esa pobreza es grata al cielo:
Deja a los dioses en ofrenda,
Tal grano vivo que se siembra,
La desnudez de tu deseo.
Para que os deuses te fossem
propícios, mais de uma grinalda,
alecrim, mirto, manjerona,
teceste-lhes na primavera.
Quando o inverno chegar, onde
tua mão encontrará as folhas,
teus olhos uma luz sem sombras,
teu amor sua forma em corpo jovem?
Essa pobreza é grata ao céu:
Deixa aos deuses em oferenda,
qual grão vivo e semeado,
a desnudez de teu desejo.
CERNUDA, Luis. "Ofrenda". In:_____. "Como quien espera el alba". In:_____. Poesía completa. Vol. I. Madrid: Siruela, 1993.
2.4.15
Cecília Meireles: "Realização da vida"
Realização da vida
Não me peças que cante,
pois ando longe,
pois ando agora
muito esquecida.
Vou mirando no bosque
o arroio claro
e a provisória
flor escondida.
E procuro minha alma
e o corpo, mesmo,
e a voz outrora
em mim sentida.
E me vejo somente
pequena sombra
sem tempo e nome,
nisto perdida,
– nisto que se buscara
pelas estrelas,
com febre e lágrimas,
e que era a vida.
MEIRELES, Cecília. "Realização da vida". In:_____. "Mar absoluto". In:_____. Obra poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967.
1.4.15
Antonio Cicero lê o poema "Na curva deste minuto", de Eucanaã Ferraz
No seguinte vídeo, leio o poema "Na curva deste minuto", de Eucanaã Ferraz. O poema se encontra no novo livro de Eucanaã, intitulado Escuta. Publicado pela Companhia das Letras, ele será lançado na quinta-feira, dia 16, às 19h, na Livraria da Travessa de Ipanema.